Drones de 4,5 milhões com falhas técnicas  e devolvidos  ao fabricante

Drones de 4,5 milhões com falhas técnicas e devolvidos ao fabricante


Problemas nos motores dos drones obrigaram à substituição dos aparelhos. Fabricante acelerou entrega de três drones corrigidos, que já cumpriram 250 horas de vigilância.


Depois de falhados todos os prazos anunciados pelo Governo, os 12 drones para vigiar as florestas durante o período crítico de incêndios (entre 1 de julho e 30 de setembro) chegaram às mãos da Força Aérea sem que cumprissem os requisitos técnicos e operacionais previstos no caderno de encargos. Os aparelhos, pelos quais o Estado investiu até 4,5 milhões de euros, tiveram mesmo de ser devolvidos para substituição ao fabricante UAVision. Face a este novo contratempo, e para que o sistema de drones pudesse entrar em funcionamento, pelo menos, durante o último mês da época de fogos, o fabricante acelerou a correção de três drones que começaram a operar no terreno a partir de 31 de agosto.

O i apurou que os técnicos da Força Aérea identificaram problemas nos motores das aeronaves logo na fase de validação dos aparelhos, que decorreu no Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea, na Ota. Finalizados os testes práticos nas bases previstas para a operação (Lousã, Macedo de Cavaleiros, Foia e Beja), a Força Aérea teve de contactar o fornecedor para solicitar as alterações. Ao i, fonte oficial da Força Aérea confirmou a situação: “No decurso deste processo, à medida que as aeronaves foram entregues, verificaram-se não conformidades ao nível da motorização convencional [drones de voo de asa fixa] e VTOL [drones de descolagem e aterragem vertical] que tinham impacto no cumprimento da performance desejada. Face a este cenário, a Força Aérea solicitou à UAVision que procedesse, de imediato, à correção das não conformidades identificadas, o que implicou a substituição gradual dos motores por uma versão mais evoluída”.

Após tantos avanços e recuos (ver cronologia), a Força Aérea procurou dar “prioridade à implementação operacional das aeronaves convencionais, em três bases de operação cobrindo as regiões Norte, Centro e Sul”. Esta opção obrigou, porém, a que as operações previstas para Macedo de Cavaleiros e Foia (bases que só têm capacidade de receber drones VTOL) tivessem de ser substituídas, respetivamente, por Mirandela e Beja. Os locais alternativos foram escolhidos “tendo em consideração a manutenção da cobertura de vigilância aérea das zonas Norte e Sul. No caso de Mirandela, não existe impacto geográfico face à curta separação entre locais de operação alternativa. Relativamente à operação a partir de Beja, foi comprovada a cobertura aérea a mais de 120 quilómetros, através da antena instalada na estação radar n.o 2 em Foia, permitindo desta forma uma cobertura geográfica da área de vigilância atribuída”, diz a Força Aérea. As características da base da Lousã permitiram manter o plano original.

Entretanto aguarda-se pela chegada dos restantes nove drones, o que deve agora acontecer a conta-gotas, pois ainda vão voltar a cumprir todo o processo de testes. “As restantes aeronaves, à medida que sofrem as modificações previstas, retomam o processo de qualificação e validação operacional que garanta o cumprimento da totalidade dos requisitos contratualizados”, explica a Força Aérea.

Com apenas três drones a funcionar deixou, no entanto, de haver margem para imprevistos, como ficou patente no dia 5 de setembro, quando o drone alocado à base de Beja foi forçado a efetuar uma aterragem de emergência no Torrão, concelho de Alcácer do Sal. O incidente levou à abertura de uma investigação pelo Gabinete de Prevenção de Acidentes da Força Aérea e à suspensão da operação nas três bases durante cinco dias. O relatório de investigação indica que o incidente “foi provocado por uma falha mecânica que causou o desacoplamento do motor à hélice da aeronave”. A operação foi retomada normalmente a 10 de setembro. Recorde-se que para evitar precisamente este género de contrariedades, o contrato de aquisição assinado entre o Estado e a UAVision previa a aquisição de 12 drones (sete de operação, três de formação e ainda dois de reserva).

Em relação à operação, a Força Aérea adianta que “até ao momento foram efetuadas mais de 250 horas de vigilância aérea nas três bases operacionais, em solicitação de pedidos de vigilância efetuados pela GNR e pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), tendo sido monitorizados diversos eventos, desde a fase de deteção até ao rescaldo”. O processo de coordenação entre as três entidades “está plenamente implementado, desde a fase de planeamento e durante a execução, através da ligação em rede entre estas entidades e o Centro de Operações Aéreas da Força Aérea, assim como através da partilha de imagem em tempo real, através da plataforma de gestão de informação operacional. Após a deteção de um evento, GNR e ANEPC dão início ao processo de análise e resposta conforme a natureza da situação”, explica a entidade.

Cronologia: 
11 de maio 
O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, anuncia a aquisição de um sistema de 12 drones por 4,5 milhões de euros. Indica 1 de julho para que os aparelhos estejam operacionais, coincidindo com o arranque da época crítica de incêndios (este ano, entre 1 de julho e 30 de setembro).

18 de maio 
A resolução do Conselho de Ministros considera urgente e de interesse público o processo de contratação pública para a aquisição dos drones. Autoriza a Força Aérea a realizar despesa até 4,5 milhões. Governo volta a apontar 1 de julho para o início das operações coordenadas pela GNR e Força Aérea.

3 de julho 
A Força Aérea assina contrato com a UAVision. O documento fica disponível no Portal BASE a 1 de agosto, com prazo de 30 dias da data da assinatura. Ou seja, o sistema tinha de ser entregue, completo e pronto a funcionar, até 2 de agosto. Os testes começaram a 11 de julho (na Ota), mas não há informações sobre se o prazo foi cumprido. 

17 de julho
O ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, anuncia que dois drones vão começar a voar no dia 21 de julho, a partir da base da Lousã. Acrescenta que, em dez dias, mais dois aparelhos vão operar a partir de Foia e outros dois de Macedo de Cavaleiros. Nada disto acabou por acontecer.

4 de agosto
Os ministros do Ambiente e da Defesa participam numa ação de promoção do novo sistema de prevenção e vigilância de incêndios florestais, na base da Lousã. Apenas um drone em voo de teste é mostrado. A Força Aérea aponta 31 de agosto para o início das operações.

31 de agosto
Os testes de validação identificaram que os drones não cumprem os requisitos técnicos e operacionais previstos no caderno de encargos. A Força Aérea devolve os aparelhos ao fabricante. A UAVision volta a entregar três drones de voo convencional, que começam a operar em Mirandela (por troca com Macedo de Cavaleiros), Lousã e Beja (por troca com Foia).

5 de setembro
O drone alocado a Beja efetua uma aterragem forçada no concelho de Alcácer do Sal. O Gabinete de Prevenção de Acidentes da Força Aérea abre uma investigação ao incidente. Sem aparelhos substitutos disponíveis, a operação 
é suspensa nas três bases durante cinco dias. Os voos são retomados a 10 de setembro.

28 de setembro 
Na semana em que termina a época de fogos (até 30 de setembro), o fabricante UAVision ainda não entregou nove dos 12 drones comprados pelo Estado e que deveriam vigiar as florestas este ano. Os novos aparelhos terão agora de voltar a cumprir uma fase de testes de validação e qualificação.