A nobre arte do influencer


A arte de ser “influenciador” é nobre, pois dá aos destinatários o que eles querem, e trata-se de uma operação de soma zero em que só um ganha, o influencer.


Uma amiga, que tende para o radicalismo (ninguém é perfeito – sobretudo os amigos, felizmente), disse: “Os influencers são uns tolos e são a coisa mais nociva da internet”. Intuitivamente, duvidei, mas não sabia muito do assunto e limitei-me a atirar-lhe um “será mesmo assim?”. A coisa ficou por ali, estávamos numa daquelas conversas em que se trocam ideias como se comem tapas, pica daqui e dali, e há momentos em que o confronto informado e o aprofundamento não apetecem (sinal dos tempos?). Mas fiquei a matutar e coloquei o tema no altar da minha santíssima trindade: duvidar, pensar e cultivar um certo (e espero que não excessivo) relativismo. Fui ver e não concordo com a minha amiga nem quanto à tolice dos influencers, nem quanto ao superlativo sobre a sua nocividade, mesmo quando temos influencers que não sabem falar, que não sabem do que falam e/ou que são ridículos, et cetera, ou mesmo quando temos influencers cães, gatos ou porcos (aliás, eu, a animais de quatro patas, dedico amiúde mais carinho e tolerância do que a certos animais bípedes).

Os influencers não são nada tolos, são até astutos. Há tolice no fenómeno? Pode haver, mas não é deles, é de muitos que os seguem. Tolos podem ser os influenciados, que seguem (e assim lhe dão fama e fortuna) quem nada mais faz do que “influenciar” – seja lá isso o que for. Aliás, ter como profissão ser influencer é já um sintoma de tolice, mas de uma sociedade, não tanto dos próprios, que em matéria pelo menos de esperteza e de empreendedorismo não ficam nada mal no pódio. Se há milhares que querem saber o que faz alguém com pretenso pedigree ou que não sabe sequer conjugar os verbos ou não sabe o mínimo acerca dos lugares que promove, o problema é desses milhares. E se outros milhares gastam o seu tempo a apreciar o que faz um pug de estimação ou um porco habilidoso, problema deles. Para os influencers é uma janela de oportunidade, e é astúcia, e fazem pela vida (a sua). E não enganam ninguém, valha a verdade. Só serão “carrascos” porque há “vítimas”, mas estas são voluntárias, donde a arte de ser “influenciador” é nobre, pois dá aos destinatários o que eles querem. Recorrendo à teoria económica dos jogos, trata-se de uma operação de soma zero em que só um ganha (e o outro perde). Ganha o influencer. Tolos? Tolo é quem se não atira à tentativa de ser um “influenciador”.

E também não é a coisa mais nociva da internet. Há bem pior. Pode tratar-se muitas vezes de tolice, superficialidade, aparências, espetáculo, facilidade, pouco sentido crítico, preguiça. Mas não é assim tão “maligno”. É bem pior ofender, despejar ódio, orquestrar campanhas, divulgar factos falsos, manipular opiniões, capturar dados, devassar vidas. E, sobretudo, é bem mais nocivo usar a internet, com habilidade e aparência de profundidade e com maldosa inteligência, para cumprir uma agenda. Sobretudo sob anonimato (os “corajosos e puros” do anonimato são uma raça manhosa, muito). Isso, sim, é mau e perigoso. É muito má influência. Mas os influencers não fazem isso, limitam-se a ser, na maioria das vezes, fúteis na exata medida do desejo dos seus devotos. Que mal tem gastar parte do dia a saber o que faz, come e até veste um fofo gatinho persa? Não tem mal nenhum – sobretudo para o dono do bicho. E agora, caro leitor (se acaso tiver algum; talvez um ou outro azedo “corajoso” do anonimato, não?), deixo-o, porque vou ocupar o meu tempo a saber o que fez hoje o amoroso e truculento Bobi. Não acrescenta nada, mas também não diminui muito.

 

Escreve quinzenalmente à sexta-feira