Carne a uma refeição por semana


Uma visão exclusivamente antropocêntrica irá determinar o nosso fim, já que não demonstramos ter a capacidade de racionalizar as nossas reservas disponíveis.


Todos os anos é anunciado o dia da sobrecarga da Terra, o momento em que o planeta esgotou os seus recursos naturais previstos para o ano que decorre. Este ano, o dia foi assinalado a 22 de agosto, querendo isto dizer que, a partir de agora, estaremos a gastar recursos naturais do planeta por conta do ano seguinte. A situação não é extraordinária – diria mesmo que é recorrente e que este défice ecológico se agrava, notoriamente, desde a década de 70. Mas desta vez teve um ligeiro retrocesso, traduzido em cerca de três semanas, obviamente em consequência da pandemia e das restrições que sofremos. Não tivesse havido covid-19 e este dia seria, seguramente, anunciado mais cedo do que nos anos anteriores.
Deste pequeno ganho de tempo podemos concluir e afirmar que é imperativo reduzir a pegada ecológica, alterando o nosso comportamento de consumo para que se estabeleça um rationale de equilíbrio entre o homem e os ecossistemas dos quais somos parte integrante.

Mais do que nos assumirmos como ecológicos ou eco-friendly, é indispensável que reconheçamos a necessidade de um princípio de coexistência relacional que esteja na base das escolhas e das decisões que se tomem relativamente aos recursos naturais de que o planeta dispõe e que, afinal, não são inesgotáveis. 

Há quem aponte a alimentação como a principal responsável pela nossa pesada pegada ecológica, se bem que o fator da mobilidade também contribui exponencialmente para o agravamento do défice ecológico. Se reduzirmos o consumo de carne per capita, as emissões de metano diminuem: bastava comermos carne um dia por semana e peixe noutro, e a nossa pegada ecológica seria menos preocupante. Bastava também, segundo a associação ambientalista Zero, reduzir a mobilidade para metade e passar a fazer um terço dos quilómetros em transportes públicos e os restantes a pé ou por bicicleta para ganharmos 13 dias no consumo dos recursos do planeta. Dito assim, parece coisa fácil e muito objetiva, fundamentada em números e mais números que não deixam margens para questionar a pertinência destas afirmações. Contudo, por muito racionais que sejamos e antevejamos o caminho que estamos a percorrer para um abismo incontornável, os nossos hábitos sobrepõem-se àquilo a que devíamos chamar uma ética ecológica. Não faltam discussões e debates públicos sobre questões éticas que se prendem com os animais – as touradas, as condições em que a indústria pecuária acomoda os animais de produção, a caça, etc. Contudo, a discussão, mais do que sobre a ética, deveria ser sobre a sustentabilidade porque, simplesmente, ainda não temos uma ética ecológica, apesar de a invocarmos sobremaneira. O debate é utópico e pouco sincero. 

O facto a reter é simples: estamos a consumir mais do que o planeta consegue dar. Tudo o que existe é um meio, e não um fim em si mesmo – logo, pouco ou nada interessa se incorremos na extinção de uma espécie ou no esgotamento de uma reserva de petróleo, desde que consigamos substituí-la por um sucedâneo que alimente o nosso modelo de consumo. Esta visão exclusivamente antropocêntrica irá determinar o nosso fim, já que não demonstramos ter a capacidade de racionalizar as nossas reservas disponíveis. A discussão ética pouco ou nada contribui para esta matemática simples e pura. Na verdade, só atrapalha e confunde quem tem de tomar decisões. 

Não tardará o dia em que seja evidente a urgência de regulação que derive da iniciativa do poder político, mas isso só acontecerá quando a consciência coletiva dos cidadãos manifestar vontade e recetividade para modificar o seu modo de vida e os hábitos de consumo. Até lá continuaremos a pautar o nosso comportamento pelo preço de produção e de consumo, porque são as únicas contas que interessam verdadeiramente para governar. 

 

Escreve quinzenalmente

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Uma visão exclusivamente antropocêntrica irá determinar o nosso fim, já que não demonstramos ter a capacidade de racionalizar as nossas reservas disponíveis.


Todos os anos é anunciado o dia da sobrecarga da Terra, o momento em que o planeta esgotou os seus recursos naturais previstos para o ano que decorre. Este ano, o dia foi assinalado a 22 de agosto, querendo isto dizer que, a partir de agora, estaremos a gastar recursos naturais do planeta por conta do ano seguinte. A situação não é extraordinária – diria mesmo que é recorrente e que este défice ecológico se agrava, notoriamente, desde a década de 70. Mas desta vez teve um ligeiro retrocesso, traduzido em cerca de três semanas, obviamente em consequência da pandemia e das restrições que sofremos. Não tivesse havido covid-19 e este dia seria, seguramente, anunciado mais cedo do que nos anos anteriores.
Deste pequeno ganho de tempo podemos concluir e afirmar que é imperativo reduzir a pegada ecológica, alterando o nosso comportamento de consumo para que se estabeleça um rationale de equilíbrio entre o homem e os ecossistemas dos quais somos parte integrante.

Mais do que nos assumirmos como ecológicos ou eco-friendly, é indispensável que reconheçamos a necessidade de um princípio de coexistência relacional que esteja na base das escolhas e das decisões que se tomem relativamente aos recursos naturais de que o planeta dispõe e que, afinal, não são inesgotáveis. 

Há quem aponte a alimentação como a principal responsável pela nossa pesada pegada ecológica, se bem que o fator da mobilidade também contribui exponencialmente para o agravamento do défice ecológico. Se reduzirmos o consumo de carne per capita, as emissões de metano diminuem: bastava comermos carne um dia por semana e peixe noutro, e a nossa pegada ecológica seria menos preocupante. Bastava também, segundo a associação ambientalista Zero, reduzir a mobilidade para metade e passar a fazer um terço dos quilómetros em transportes públicos e os restantes a pé ou por bicicleta para ganharmos 13 dias no consumo dos recursos do planeta. Dito assim, parece coisa fácil e muito objetiva, fundamentada em números e mais números que não deixam margens para questionar a pertinência destas afirmações. Contudo, por muito racionais que sejamos e antevejamos o caminho que estamos a percorrer para um abismo incontornável, os nossos hábitos sobrepõem-se àquilo a que devíamos chamar uma ética ecológica. Não faltam discussões e debates públicos sobre questões éticas que se prendem com os animais – as touradas, as condições em que a indústria pecuária acomoda os animais de produção, a caça, etc. Contudo, a discussão, mais do que sobre a ética, deveria ser sobre a sustentabilidade porque, simplesmente, ainda não temos uma ética ecológica, apesar de a invocarmos sobremaneira. O debate é utópico e pouco sincero. 

O facto a reter é simples: estamos a consumir mais do que o planeta consegue dar. Tudo o que existe é um meio, e não um fim em si mesmo – logo, pouco ou nada interessa se incorremos na extinção de uma espécie ou no esgotamento de uma reserva de petróleo, desde que consigamos substituí-la por um sucedâneo que alimente o nosso modelo de consumo. Esta visão exclusivamente antropocêntrica irá determinar o nosso fim, já que não demonstramos ter a capacidade de racionalizar as nossas reservas disponíveis. A discussão ética pouco ou nada contribui para esta matemática simples e pura. Na verdade, só atrapalha e confunde quem tem de tomar decisões. 

Não tardará o dia em que seja evidente a urgência de regulação que derive da iniciativa do poder político, mas isso só acontecerá quando a consciência coletiva dos cidadãos manifestar vontade e recetividade para modificar o seu modo de vida e os hábitos de consumo. Até lá continuaremos a pautar o nosso comportamento pelo preço de produção e de consumo, porque são as únicas contas que interessam verdadeiramente para governar. 

 

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