“Em política, o que parece, é”. Acredito que quem mais eternizou tal frase tenha sido o fundador do PPD, Francisco Sá Carneiro. Adaptando a frase à atualidade, vivemos dias de uma ministra da Segurança Social que “parece” e está fragilizada por erro próprio. Um erro amador até. Depois desse infeliz erro, que já explicarei, vimos nestes dias o seu líder António Costa desdobrar-se em justificações simples e banais para segurar politicamente Ana Mendes Godinho. Retórica claramente insuficiente.
O primeiro-ministro teve a necessidade, sinal de fragilidade, de vir a público dizer que o debate em torno da ministra da Segurança Social por causa das mortes num lar em Reguengos é, citando, “uma polémica artificial”.
Mas, qual é a história então?
Falamos de um surto de COVID-19 em Reguengos de Monsaraz, detetado em 18 de junho, que causou 162 casos de infeção pelo vírus SARS-COV-2 sendo a maior parte no referido lar, em 80 utentes e 26 profissionais de saúde. Porém, também houve infeção em 56 pessoas da comunidade. Infelizmente, faleceram 18 doentes (16 utentes e uma funcionária do lar e um homem da comunidade).
Posteriormente, algo que a Ministra Ana Mendes Godinho desconhecia, num relatório dessa referida auditoria (conhecido no dia 6 de agosto), a Ordem dos Médicos afirmou que o lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva não cumpria as orientações da DGS e apontou responsabilidades à administração, à Autoridade de Saúde Pública e à ARS. Percebemos a importância disto? Que fez a Ministra? Nada. Nem leu sequer o documento.
A seguir, a Procuradoria-Geral da República instaurou um inquérito sobre o surto de COVID-19 neste lar e está a analisar o relatório da Ordem dos Médicos que o Bastonário Miguel Guimarães tem vindo a explicar (deve ser para a poupar tempo à ministra…).
Ana Mendes Godinho só “acordou para a vida” após tudo isto. O seu líder de governo, em declaração fraca de argumentário, disse que era tudo uma discussão “artificial”.
“Artificial”, disse, é isso Senhor Primeiro Ministro? Serão 18 mortes “artificiais”? Será meramente manobra “artificial” desconhecer-se, sendo a ministra com tutela dos Lares, um relatório sobre o surto de COVID-19 no lar de Reguengos de Monsaraz com a auditoria que a Ordem dos Médicos fez?
Será artificial ou insensibilidade? Ana Mendes Godinho falhou na sua responsabilidade. Não só parece como é evidente.
Tinha a responsabilidade de “perder” 10 minutos a ler um relatório sobre o caso do lar de Reguengos de Monsaraz. Tinha de saber e entender que situações estiveram menos bem e, posteriormente, atuar em conformidade enquanto governante que tutela estas matérias. Bastava ter lido e saberia que se trata de um relatório baseado em testemunhos de várias pessoas que trabalharam no referido lar. Que é um relatório que não deixa margem para dúvidas relativamente ao incumprimento das regras impostas pela DGS, como separar os doentes COVID-19 e não-COVID-19.
No sábado passado, apenas a 15 de agosto, dizia, já aflita, a ministra Ana Mendes Godinho, que "desde o início que os lares têm sido prioridade total do Governo". Com este exemplo do lar de Reguengos de Monsaraz, pensemos o que seria feito se não fosse uma prioridade então…
A retórica de António Costa sobre este assunto é vazia. A de Ana Mendes Godinho é zero. Do lado oposto, o PSD pediu uma audiência urgente da responsável governativa no parlamento, enquanto CDS-PP e o CHEGA exigiram mesmo a demissão da ministra Ana Mendes Godinho. A melhor retórica é do Bastonário Miguel Guimarães, é um facto.
Sobre retórica, talvez a História ajude a desculpar (ou não) a fraqueza cada vez mais evidente de António Costa nas suas justificações a cada mau desempenho do seu governo. Não é a primeira vez que falha desta forma.
Na Europa medieval o ensino baseava-se fundamentalmente na lógica, no debate de ideias, na gramática e na retórica enquanto centro da educação. A matemática era meramente assente em aritmética e geometria, não havia estatísticas e era tudo considerado muito esotérico. A história fez com que hoje pouco se estude retórica ou a lógica, só persistindo esta matriz em Filosofia ou na Teologia dos seminários. Hoje há um apelo às ciências exatas, onde entram as matemáticas que outrora foram ditas de esotéricas, mesmo que seja em ensinamentos académicos de pensamento.
Infelizmente, muita falta faria também no nosso país “mandar” umas centenas de políticos em potência para a europa medieval…
Porventura, por adaptação a esta evolução educativa de vários séculos, o primeiro-ministro português demonstre tão pouca lógica e gramática na explicação deste caso errático da sua ministra Ana Mendes Godinho.
É evidente que nem a matemática ou qualquer “número” artístico ou artificial vão impedir o que parece muito na política desta semana: A ministra errou, o governo dá guarida ao erro e António Costa mete o PS e “os seus” à frente da razão que todo um país viu e vê.
Carlos Gouveia Martins