TAP. As 1200 histórias dos tripulantes que deixaram de contar

TAP. As 1200 histórias dos tripulantes que deixaram de contar


Os nomes não são reais, mas os testemunhos dos três tripulantes de cabina que confessaram ao i o que sentem a poucos meses de deixarem a TAP são histórias de quem viu a crise na aviação alterar um destino que parecia garantido.  


“É o meu trabalho, e adoro-o. Faço-o com todo o gosto e brio mas, ao mesmo tempo, sinto-me muito triste, pois sei que isto vai durar apenas mais alguns meses”. As palavras fluem na voz entrecortada pela emoção de J. V., 38 anos, uma dos 1200 tripulantes de cabina da TAP que, até março de 2021, vão deixar a companhia aérea por não terem visto os seus contratos a termo serem renovados. 

Esta é, na prática, a primeira consequência real da reestruturação da TAP, depois de o Estado ter aumentado para 72,5% a presença no capital social da empresa, após o acordo com o acionista privado David Neeleman, por 55 milhões de euros. Em outubro, a comissão executiva da TAP (liderada interinamente por Ramiro Sequeira) terá de apresentar o plano de reestruturação da companhia à Comissão Europeia – uma exigência de Bruxelas no âmbito do empréstimo, feito pelo Estado à empresa, de até 1,2 mil milhões de euros, com o objetivo de salvá-la da falência -, que prevê o corte de frota, rotas e postos de trabalho. 

O plano vai ser agora desenhado pela consultora norte-americana Boston Consulting Group, mas a TAP e os sindicatos apostam em resolver, pelo menos, a questão da redução dos tripulantes de cabina com a não renovação destes 1200 contratos a termo. A solução pode eventualmente não agradar a todos, mas tem vindo a ser encarada como um mal menor, até porque há responsáveis que afirmam que estes casos não são propriamente despedimentos.

Porém, há rostos para lá dos números. E J. V. é exatamente um deles, vivendo por dentro uma situação impensável há apenas seis meses: estar a prazo na empresa, sem quaisquer hipóteses de ver o cenário ser alterado. “O meu contrato termina dentro de quatro meses, e já me informaram que não há perspetivas de o ver renovado. Não há mesmo esperança”, confessa ao i

Após década e meia a trabalhar no setor da aviação, J. V. havia conseguido, há bem pouco, ingressar na TAP, um sonho que alimentou durante vários anos mas que rapidamente se converteu num pesadelo. “Existia na empresa uma sensação de segurança que era alimentada pela própria empresa. Pode mesmo dizer-se que havia a perceção de a TAP ser o que se costumava chamar ‘uma empresa para a vida’. Infelizmente, essa lógica alterou-se completamente”, lamenta.

Após quatro meses em layoff, J. V. regressou, finalmente, este mês aos aviões. Mas, desta vez, com uma cicatriz no coração. “É claro que gostei de voltar, mas não posso negar que este é um regresso amargo”. E embora garanta que, até à última hora, dará “sempre o melhor” pela TAP, J. V. admite que o despertar para um novo dia tem agora cores muito diferentes das de antigamente: “É duro. Por vezes tem de se fazer um grande esforço. Muitas vezes é até devastador em termos psicológicos, pois sentimos que somos apenas um número e, neste momento, totalmente descartáveis para a empresa”. 

Milhares de tripulantes de cabina vão lidando diariamente com esta realidade enquanto, ao mesmo tempo, no final de cada mês, assistem a centenas de colegas a entregarem pela última vez as suas fardas de serviço. E a despedirem-se – uma realidade que se repetirá até março de 2021. Ou até que chegue a vez da própria pessoa.

E. C., de 31 anos, encontra-se precisamente nesta situação. O regresso, confessa, deixou-a “entusiasmada” mas, entretanto, a realidade tem ganhado terreno, com as nuvens negras que pairam no horizonte a começarem a ser cada vez mais difíceis de ignorar: “Vivemos o dia-a-dia com um misto de emoções, entre fazer aquilo de que gostamos, com brio e profissionalismo, e sabermos que não há perspetivas de continuarmos na empresa”. 

A poucos meses de ver o vínculo com a TAP terminar, E. C. confessa ao i “sentir-se muito triste” com toda a situação e até “um pouco assustada” em relação ao futuro. “Ser tripulante é aquilo que gosto de fazer mas, sobretudo, o que sei realmente fazer. A verdade é que, neste momento, não há hipóteses de prosseguir a minha carreira neste setor, pois o mercado não está a contratar ninguém”, refere. O que irá fazer então? Mudar de profissão? “Sinceramente, para já, não lhe sei responder a essa pergunta”, afirma.

L. W., 27 anos, sempre sonhou com a profissão de tripulante de cabina. Há pouco mais de dois anos, quando ingressou na TAP, julgou ter chegado ao cume de uma montanha, de onde passaria, daí em diante, a observar o mundo todo (e para sempre). “O meu sonho viu-se desfeito muito rapidamente e, agora, estou a tentar habituar-me à ideia de, muito provavelmente, ter de trilhar um caminho completamente diferente”, afirma. 

“Todos queremos fazer o que gostamos e sabemos que isso nem sempre é possível. Eu e os meus colegas tínhamo-lo conseguido, e perdê-lo assim ainda custa mais”, diz L. W. 

No final deste mês, o tripulante de cabina vai aterrar pela última vez, um momento que, aos poucos, começa a imaginar com um aperto no peito. “Os dias estão a aproximar-se e, a cada vez, torna-se mais difícil. Sempre que acordo de manhã e me preparo para ir trabalhar, sinto um aperto no peito, como se estivesse a perder algo valioso, devagarinho e irremediavelmente”. “É muito triste e, neste momento, sinto-me até, por vezes, usado pela TAP”, conclui L. W.