1. A canícula de agosto vai atenuando a perceção das terríveis consequências económicas e sociais que a pandemia trouxe ao mundo e a Portugal, até porque, tradicionalmente, a sociedade desacelera. Estranhamente, este ano não foi substancialmente diferente. Os políticos e os quadros do Estado partiram para férias e não se sabe exatamente quem está a preparar as medidas económicas, profiláticas e sanitárias que vão ser necessárias a partir de setembro. Este desprendimento pode ser perigoso. A meio de setembro recomeçam as aulas, a maioria dos funcionários públicos voltarão ao trabalho normal, nas empresas sobreviventes sucederá o mesmo, o que significa que haverá mais dois milhões e meio de pessoas a circular do que em junho. Uma situação dessas, com um vírus altamente contagioso à solta, já deveria estar planeada de forma sistemática, a fim de evitar respostas em cima do joelho, como tem acontecido muitas vezes.
É preciso saber se as máscaras devem ser obrigatórias em todos os espaços públicos. É preciso saber se elas existem em número que chegue para todos. É preciso saber como estamos de álcool-gel. É preciso saber como estamos de ventiladores efetivamente operacionais. É preciso saber com quantos médicos, enfermeiros e auxiliares contamos. É preciso saber o número de camas que estão preparadas em cuidados intensivos. É preciso saber qual a articulação entre o setor privado e o público porque, até aqui, não correu bem. É preciso saber qual vai ser a política de fronteiras consoante os cenários. É preciso saber como vamos relacionar-nos com a Espanha central e com as suas regiões limítrofes a Portugal. É preciso saber o que se passa com os layoffs e apoios aos empregos em termos concretos e sem aldrabices governamentais. É preciso saber que medicamentos temos disponíveis e os que podem faltar, nomeadamente os genéricos. É preciso saber como Portugal se posiciona na compra da vacina e de um eventual medicamento. É preciso saber a situação nos lares em termos concretos. É preciso saber como vão funcionar e com que regras os transportes públicos. É preciso decidir se realmente faz algum sentido andar a discutir aumentos de salário mínimo quando não há trabalho. É preciso saber quais são os planos sociais de emergência, o papel das forças de segurança e o campo de intervenção das Forças Armadas. É preciso saber que medidas estão previstas para os bancos não aproveitarem a situação para pedir mais dinheiros ao Estado ou abusar de comissões, como acabam de fazer o BCP e a Caixa. É preciso saber quem vai controlar as contribuições da União Europeia, que vão chegar a 6% do PIB, para evitar as habituais roubalheiras. É preciso saber se o tal banco de fomento vai mesmo existir ou se continua a ser uma inutilidade e mais uns tachos. É preciso saber se o Governo vai optar por abrir e fechar sistematicamente a economia ou se vai correr o risco de não parar. E, para além de muitas outras coisas, é preciso saber quem vai conduzir o país em tempos de incerteza para termos uma ideia da potencial estabilidade ou instabilidade política, que é muito importante nos momentos críticos que iremos enfrentar.
2. Mundialmente, a pandemia está longe de estar controlada. Regride e regressa de forma recorrente, o que tende a dar razão à estratégia da Suécia, que não parou por ser rica e ter um excelente serviço de saúde. Nos casos dos países mais frágeis do clube dos ricos, como é Portugal, a situação tem de ser controlada em função do número de camas e de equipamentos para evitar uma catástrofe humana. Foi o que se fez em março. Depois derrapou-se e passámos de aplaudidos a banidos. Agora, as coisas estão outra vez melhores, mas é provável um refluxo. Um epidemiologista sueco disse sabiamente no princípio disto tudo que, na União Europeia, as contas finais iriam dar todas mais ou menos à mesma coisa, independentemente das estratégias. É capaz de ter razão. Já nos países pobres ou nos que têm enormes desequilíbrios sociais, como os Estados Unidos, o Brasil e a Rússia, as contas fazem-se de outra maneira. Dirigentes como Trump, Bolsonaro e Putin não se preocupam minimamente com as potenciais vítimas, que são os mais pobres e os mais velhos, ou seja, os que geram mais despesa ao Estado. É uma visão cruel e desumana, mas é a que existe nessas paragens e em muitas outras mentes e paragens.
3. Por cá, é importante saber as linhas com que nos cosemos perante tempos complicados. É fundamental que Marcelo Rebelo de Sousa confirme rapidamente que é recandidato a Belém, como lhe impõe a sua consciência cívica e católica, como o povo deseja inequivocamente e como Portugal precisa. Quanto mais cedo, melhor. Deveria até dispensar a campanha e focar-se estritamente na função presidencial de fiscalização com redobrada exigência verbal, apesar dos poderes limitados com que está. Deixar os outros candidatos a falar sozinhos é a melhor receita. Quanto ao Governo, a probabilidade de Costa ultrapassar sem ser derrubado os tempos que aí vêm é grande. Por muitos erros que faça, ninguém se vai atrever a deitá-lo abaixo e ficar com o problema nos braços. Costa é o fiel da balança. Se cair, o mais certo é os portugueses reconduzirem-no e, novamente, sem maioria absoluta.
4. André Ventura quer ser substituído no Parlamento para poder ser pré-candidato e candidato a Presidente da República. Parece que a lei não enquadra essa situação, que teria toda a lógica, permitindo que ele regressasse ao seu lugar depois da derrota. A esquerda já se mobilizou a dizer que a lei é para cumprir. O inenarrável Ferro Rodrigues deve concordar com o entendimento limitativo da liberdade, o que não admira. É tentar ganhar pontos na secretaria. Não fazer tudo para André ir a jogo é dar-lhe força. E, sobretudo, dar-lhe razão na questão substancial. Então um deputado tem de abdicar do seu assento para participar numa pré-campanha e campanha eleitoral? Não faz sentido.
5. A Festa do Avante! vai adiante. Os comunistas jogaram sabiamente a cartada da conciliação das normas legais todas das diversas atividades integrantes do evento, como a restauração, os concertos, os comícios e por aí fora. É uma chico-espertice que ninguém se atreve a contestar, nomeadamente o Governo e a Direção-Geral da Saúde que o serve, dando sempre um jeitinho. Foi isso que sucedeu com o “usa não usa” máscara, simplesmente porque não existiam em quantidade. Uma coisa é certa: depois da festa comunista, muitas atividades comerciais poderão invocar o precedente e avançar com iniciativas nos mesmos termos. Mas, aí, certamente que a posição do Governo e da DGS não será tão macia. Ser forte com os fracos e fraco com os fortes é uma atitude muito lusitana.
Escreve à quarta-feira