O BÁSICO: TOSSIR E ESPIRRAR PARA O COTOVELO… E MANTER A DISTÂNCIA
A chamada etiqueta respiratória já tinha feito parte das campanhas da pandemia de gripe A e é a orientação comum para todas as doenças respiratórias. Nesse aspeto, nada mudou. Tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) como o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) defendem que o SARS-CoV-2, sendo um vírus respiratório, se espalha de pessoa a pessoa através de pequenas gotículas emitidas pelo nariz ou pela boca quando se tosse, espirra ou fala. São relativamente pesadas, mas podem viajar um metro – daí a recomendação de manter a distância de 1,5 metros em espaços abertos e dois metros em espaços fechados. E a máscara, uma barreira que ajuda sobretudo a proteger os outros das gotículas que emitimos.
SUPERFÍCIES: RISCO EXISTE MAS NãO SERÁ DOMINANTE
Continua a ser consensual que existe a hipótese de gotículas emitidas por alguém infetado aterrarem numa superfície que pode servir de ponte para um novo contágio. Desde o início da epidemia no Oriente que se viram soluções criativas para carregar nos botões do elevador, dicas como escolher uma “mão suja” e outra para manter limpa e, entretanto, muitos passaram a ter como melhor amigo um frasco de solução alcoólica. Têm sido publicados alguns estudos sobre o tempo de sobrevivência do vírus nas diferentes superfícies, com base em experiências em ambiente controlado, que apontavam para ele poder manter-se viável até seis dias em condições ideais. Entretanto, tanto o Centro de Controlo de Doenças nos EUA como o ECDC, o homólogo europeu, consideram que as chamadas fómites (as superfícies inanimadas, que podem levar à transmissão através das mãos) não serão a peça-chave no puzzle da covid – o que não significa negligenciar limpeza e higiene. Por exemplo, a OMS considera que a probabilidade de trazer o vírus para casa nos sapatos é baixa, mas recomenda que em casas em que as crianças costumem brincar no chão, os sapatos podem ficar à porta, por precaução.
PELO AR: O RISCO INVISÍVEL
Se o contágio através de superfícies contaminadas poderá não ser dominante, é a transmissão por aerossóis que tem vindo a ganhar peso na equação – embora a a comunidade científica não esteja toda de acordo e falte ainda mais evidência. Depois de uma carta assinada por 237 cientistas de vários países, a OMS – que a classificara de mito – admitiu em julho que a hipótese de o vírus se transmitir através de gotículas mais leves suspensas no ar não pode ser descartada, havendo relatos de várias situações de contágio em espaços fechados e não ventilados. Dos primeiros documentados foram vários casos associados a um restaurante em Guangdong, em pessoas que jantaram em mesas separadas, o que foi ligado ao ar condicionado. Ao SOL, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes defendeu que se não existisse transmissão por aerossóis, conhecida de outros vírus respiratórios, como o sarampo, a epidemia não se teria espalhado tão depressa, sendo esta a forma de transmissão mais difícil de controlar, uma vez que as máscaras cirúrgicas normais não impedem a inalação destas partículas. O arejamento dos espaços é essencial, o que levanta dificuldades nos transportes, por exemplo – em Portugal, ainda não há evidência de casos de contágio em transportes, mas está a ser feito o primeiro estudo de caso-controlo, que vai determinar aspetos que distinguem infetados de outras pessoas com o mesmo perfil que não tiveram a doença. No dia-a-dia, a possibilidade da transmissão por aerossóis leva a pensar nos cuidados a ter, por exemplo, no elevador ou quando se fala ou canta em público, com uma maior projeção vocal a poder levar potencialmente a uma maior emissão de gotículas. “Quando estou a falar alto ou a tossir, emito gotículas microscópicas. A maioria dessas gotículas têm peso suficiente para irem em direção ao chão. Evidente que, se tiver uma pessoa na minha proximidade, ela pode inalar a gotícula, mas se a pessoa estiver a uma certa distância, como a gotícula tem peso que a leva para o chão, não é contaminada. E se eu estiver a usar máscara, emito menos gotículas”, explica Carmo Gomes. “A questão é que, quando estou a falar e tossir, emito não só estas gotículas com peso mas outras mais pequeninas, com menos de cinco micra, mais pequeninas que um milionésimo de um milímetro. São muito leves e, quando saem da minha boca, na trajetória pelo ar, se não houver muita humidade, dissecam. É o suficiente para ficarem a pairar. Portanto, se eu estiver num recinto fechado em que não há arejamento, movimento de ar, e se tenho pessoas a falar alto ou a gritarem, por exemplo, nos cafés ou nos bares, elas podem emitir estas gotículas, que podem manter-se horas a pairar no ar e mantêm-se infecciosas”. Um estudo publicado em maio na revista Proceedings of the National Academy of Sciences revelou que falar alto produz mais partículas e que num minuto se podem emitir 1000 gotículas com o coronavírus.
UM SURTO QUE NASCE NO ELEVADOR
Manuel Carmo Gomes recomenda, por exemplo, o uso de máscara quando se usa o elevador comum do prédio, mesmo quando está vazio. “A máscara é recomendada para recintos fechados. Se quiser ter a certeza de que não infeta nenhum vizinho seu, devia fazer isso. Se uma pessoa está infetada sem saber, se tiver uma tossezinha ou estiver a falar ao telemóvel, vai libertar partículas que vão ficar algum tempo no elevador”, afirmou, sublinhando que o essencial nos cuidados a ter é perceber a dinâmica. Num espaço arejado ou ao ar livre, mais facilmente a brisa dissipa as partículas. Ao conversar proximamente ou alto ou, por exemplo, a cantar os parabéns em casa, o risco é maior e será mais prudente usar máscara. Em junho, investigadores chineses publicaram um caso de estudo, na revista Emerging Infectious Diseases, de um cluster na província de Heilongjiang que terá começado no elevador comum de um prédio. Uma mulher que regressou de uma zona de risco testou negativo, mas ficou a fazer o isolamento em casa. Estava infetada. Pensam que um vizinho andou no elevador depois da senhora, tendo contraído o vírus através do toque em alguma superfície. Viria a infetar a família e, por sua vez, um dos familiares infetou outras pessoas numa festa. Ao todo, foram ligados 71 casos a este cluster. Para os investigadores, isto mostrou também como um caso assintomático pode gerar várias cadeias de transmissão.
O PAPEL DOS ASSINTOMÁTICOS
O inquérito serológico nacional estimou que 2,9% dos portugueses já tiveram contacto com o vírus, o que aponta para 300 mil infeções. Em 44% dos casos, os participantes que acusaram anticorpos para a covid-19 reportaram não ter tido sintomas. Podendo haver alguma desvalorização ou sintomas ligeiros, diferentes estudos têm confirmado uma percentagem significativa de infeções assintomáticas, admitindo-se que alguém sem sintomas ou quando ainda não os teve pode transmitir a doença. Para o ECDC, é ainda difícil quantificar a transmissão assintomática, mas ela pode ter tido um papel significativo na evolução da pandemia. O organismo assinala que estão documentados casos em que a pessoa transmitiu o vírus um a três dias antes de ter tido sintomas e projeções estimam que a transmissão pré-sintomática terá contribuído para 48% e 62% dos casos em Singapura e na China, respetivamente.
SUPERTRANSMISSORES:O MOTOR DA EPIDEMIA?
A par da ideia de que a transmissão assintomática tem um papel relevante e de que existe contágio através de aerossóis, tem ganho peso a tese de que eventos de supertransmissão poderão mesmo explicar a maioria dos casos de covid-19, tornando-se uma peça central mesmo nos países que conseguiram controlar ondas iniciais. Uma equipa de investigadores da Faculdade de Medicina e Higiene Tropical de Londres estima, num artigo publicado em julho, que 80% das transmissões secundárias poderão ter sido causadas por 10% dos infetados. Na base do cálculo está um parâmetro da epidemiologia chamado fator de dispersão (k), que mede a variabilidade na dispersão da doença, partindo do pressuposto de que nem todos os infetados têm a mesma eficiência a transmitir o vírus, quer por razões biológicas quer pelo seu comportamento. Quanto mais baixo é o cálculo deste k, mais os casos tendem a ter origem num pequeno grupo de pessoas, e esta equipa calculou (com base nos dados da OMS sobre transmissão local e casos importados) que, na pandemia de covid-19, o k pode rondar os 0,01, abaixo do que aconteceu nas epidemias de SARS e MERS ou mesmo da gripe espanhola. Adam Kucharski, um dos investigadores e autor do livro Leis do Contágio (Porto Editora), defende que este fator faz com que uma epidemia possa ter um crescimento repentino a qualquer momento, a partir de uma importação. “Se alguém, quando está na fase mais contagiosa, for a uma reunião com um grande número de pessoas e depois for jantar fora, pode verificar-se um evento de superpropagação. Se essa pessoa ficasse em casa, poderia não gerar nenhuma transmissão”, exemplificou em junho à BBC. Alguns estudos locais têm apontado para a mesma ideia de que uma minoria dos infetados causam a maioria das novas infeções, algo que o agora célebre R não capta: dá uma ideia de quantos casos são gerados em média por cada infeção. Em Hong Kong, uma análise preliminar de mil casos detetados entre janeiro e abril concluiu que a maioria dos casos tinham resultado de fenómenos de supertransmissão: 20% foram associados a 80% dos transmissores, incluindo surtos num casamento, num templo e num bar. No início de junho, os autores publicaram um artigo no New York Times com as conclusões e um apelo: “Parem a supertransmissão”. Defendiam que medidas que minimizem estes eventos serão menos disruptivas e mais eficazes que confinamentos. E difundiam a regra dos 3C, cunhada pela Universidade de Tóquio: evitar contactos próximos, espaços fechados e com muita gente.
CANTAR EM SEGURANÇA
Diferentes casos de contágio em coros parecem também confirmar a ideia de que há situações mais arriscadas – sem ser preciso pensar no que se passará num bar ou pista de dança que, segundo um inquérito a 500 epidemiologistas, foi classificada como a situação com maior risco. Para apoiar a retoma do canto em segurança, investigadores da Universidade de Erlangen, na Alemanha, fizeram um estudo para perceber o alcance das gotículas. Concluíram que podiam ir até 1,5 metros de distância, defendendo no mínimo 2,5 metros entre músicos e uma permanente renovação do ar para reduzir o risco de inalar aerossóis. Os autores testaram também o que acontecia quando os coristas usavam máscara: apesar de bloquearem as gotículas maiores, saíam partículas mais pequenas pelos lados, porque não são estanques. A ideia é válida para lá das cantorias profissionais.