A primeira vez que o i tentou contactar Caleb Landry Jones, via chamada telefónica, a conversa acabou por não se concretizar. O seu agente pediu desculpa: o ator conhecido por papéis secundários em filmes nomeados para os Óscares como Get Out ou Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, ou em joias indie como Heaven Knows What, realizado pelos irmãos Safdie, estava a dormir. Uns dias mais tarde voltámos a entrar em contacto e o texano atende o telemóvel e pede imensa desculpa: tinha confundido os horários e, por isso, não respondeu à nossa chamada. Do nosso lado não houve remorsos: estávamos muito contentes por finalmente conseguir falar com Landry Jones, não sobre a sua carreira enquanto ator, mas pela sua imprevisível e inesperada estreia no mundo da música.
The Mother Stone, lançado a 1 de maio com selo da editora Sacred Bones, é uma epopeia psicadélica que deve tanto aos delírios musicais de Syd Barrett, fundador e primeiro vocalista dos Pink Floyd, e ao meticuloso Pet Sounds, dos Beach Boys, como à sensibilidade pop de Kate Bush na fase de Hounds of Love.
“A minha namorada andava a passar-se comigo quando estava a compor o disco”, revela o músico. “Estava sempre a ver vídeos da Kate Bush. Ela perguntava-me quem era ‘aquela senhora’ e eu tinha de dizer: ‘Querida, ela agora é mais velha, estes vídeos já são muito antigos, ela já não é assim’”.
Estes são apenas alguns dos ingredientes de um trabalho que está em construção há mais de dez anos.
Esquerda, direita, para cima, para baixo “Este disco é o culminar do estilo que tenho vindo a desenvolver nos últimos dez anos”, explica Landry Jones. “Os álbuns que tinha criado sozinho já tinham algumas semelhanças, com as músicas a fluírem umas para as outras, com alguns medleys, uma abordagem no formato de vinheta. Brincar com um pensamento linear e torná-lo um bocado caótico – tenho tentado criar uma situação em que existe mais importância na ação imediata”.
A vontade de contar uma narrativa por linhas tortas nasceu na sua adolescência, num período em que era obcecado por música folk e, nomeadamente, por Bob Dylan. “Acho que quando tinha 17 anos escrevia de uma certa forma porque era bastante influenciado pelo Bob Dylan. Para além de me ajudar a ter um pensamento bastante linear, ele podia desviar-se do caminho para a esquerda ou para a direita, para cima e para baixa, em que qualquer coisa podia acontecer”, diz, mencionando 115th Dream, de Bob Dylan, como um excelente exemplo.
“Não é possível posicionar onde [a música] existe porque existe num mundo exclusivamente do [Bob Dylan]. É ao mesmo tempo enraizado num mundo real, mas também é bastante surreal”.
Podemos observar esta influência na letra de You’re So Wonderful, em que, logo nas primeiras linhas, o texano tenta pregar-nos rasteiras. “Maybe you’re a lot like me/ Maybe not, and so we’ll see/ I don’t want love, it’s all I need”.
Nesta abordagem “dadaísta e surreal”, termos sugeridos pelo músico, por vezes, o significado das suas letras torna-se impercetível. Quando tentámos que Landry Jones descortinasse o significado de alguns símbolos, por exemplo, do misterioso título do disco, The Mother Stone, este explicou que um “mágico não revela os seus truques”. “Quando estava a escrever as músicas, cada linha tinha dois ou três significados diferentes e acho que é isso que as torna tão surreais e abstratas”, explica.
“No outro dia estava a falar com um amigo meu e ele disse-me que estava à espera de uma recompensa no final do disco – tentar compreender sobre o que cantava, algo que não aconteceu e que o deixou com blue balls”, conta entre gargalhadas. “Ele estava à espera de uma música que encapsulasse algo em concreto. Na minha cabeça é tudo muito simples e as músicas fazem sentido, mas não posso explicar qual é”, confessa, deixando-nos insatisfeitos porque, afinal, nunca vamos perceber porque é que “It takes a daffodil to make it right” ou porque devemos “shake the jelly from the stone”, duas frases invocadas na faixa Flag Day/The Mother Stone.
“Quem sabe o que é que significará daqui a uns anos ou se o seu significado vai mudar”, diz Landry Jones.
Quem tem medo de palhaços? Uma das características mais sonantes da mistura musical que ocorre em The Mother Stone é a utilização de sons e influências das artes circenses. Por isso, algo que não poderia fugir a esta conversa era a origem desta ideia.
“Quando era miúdo, os meus pais levavam-me ao Ringling Bros. and Barnum & Bailey Circus, que era o maior circo a que se podia ir e que já não existe por causa da violência contra os elefantes”, recordou. “Para mim, sempre foi uma experiência assustadora: havia uma sensação de insegurança mas, ao mesmo tempo, estava tudo bem porque os nossos pais estavam lá connosco, por isso tinha de ser um espaço seguro. Adoro o misto de emoções de um circo, com os cuspidores de fogo, os acrobatas ou os palhaços… sejam os palhaços assustadores, engraçados ou tristes. O nome do meu irmão mais novo é baseado no meu palhaço preferido, David Larible, por isso, agora que fala nisso, o circo teve uma influência mesmo muito grande na minha vida”, nota, rindo.
Dada a grandeza do instrumental do álbum – e a maior parte das guitarras, teclas e percussões são tocadas por Landry Jones – torna-se complicado imaginar como este disco se irá consumar ao vivo, algo a que o próprio músico não sabe responder.
“Não posso dar-lhe uma resposta concreta. Continuo a imaginar coisas na minha cabeça, mas não sei se vou conseguir realizá-las”, confessou. “Quando estava a fazer este disco, só pensava em acabar de o gravar. Nunca pensei com que bandas gostava de tocar ou em que países gostava de o apresentar. Só pensava se iria conseguir gravar como pretendia. Não o pensei nessa forma prática e é por isso que ele talvez soe tão grandioso”.
Quando questionado se conseguiu concretizar este objetivo, a resposta foi positiva. Restava apenas perguntar mais uma coisa: atualmente, Caleb Landry Jones sente que é mais músico ou ator? “Sempre que viajava escrevia música, o que, para mim, sempre me pareceu algo sincero, mas, se de repente dissesse que ia para outro país para dar um concerto, ia parecer um grande falso”, diz. “Nunca me senti como um ator, exceto quando estou a atuar ou em papel, nem me sinto músico, exceto quando estou a criar música, mas acho que sou um deles. Tenho de ser um deles”.