Relacionar a amamentação com a caridade foi uma ideia inesperada que me levou a escrever a crónica da semana passada. Esta ideia é da autoria de Diana Ferreira e integra o livro Ressurgir – 40 Perguntas Sobre a Pandemia, que será brevemente lançado pela editora Paulinas.
Cerimónias, vestes, textos e tradições da Antiguidade têm servido de inspiração durante o processo de cristianização do paganismo. As memórias culturais do passado transformaram-se e deram lugar a novos horizontes. Sempre assim foi e continuará a ser.
A mulher que amamenta é uma imagem transversal a diferentes religiões. Na conhecida Sé de Braga, que cruza os estilos românico, gótico e barroco, erguida ainda antes de existir Portugal, está uma escultura de Nossa Senhora da Amamentação. O pudor e a vergonha fizeram com que esta devoção se fosse perdendo, dela restando, por isso, poucos sinais nos dias de hoje. Porque o leite era visto como sendo sangue processado, recebê-lo era sinal de comunhão. Talvez por isso São Bernardo de Claraval tenha vivido esta experiência mística materializada em imagens que o mostram, enquanto adulto recebendo nos seus lábios um jato de leite que sai diretamente do peito da Virgem.
As experiências místicas têm destas coisas: além de pessoais, não são para ser entendidas à luz da razão. Assim se percebe o gesto da jovem Santa Catarina Labouré que, ao ver Maria Santíssima, se deita no seu colo. Maria pode ser encarada com rainha, mas o certo é que os místicos a sentem como mãe. Também o Papa Francisco, quando visitou Portugal, exclamou: “Temos Mãe!” Sim, temos mãe e podemos ser irmãos. Mas sermos irmãos não significa que tenhamos de ser iguais.
Em Lisboa há dois edifícios, nos extremos da mesma rua, onde se encontram sediadas duas linhas de pensamento. Num extremo, os jesuítas e, no noutro, a maçonaria. Estes dois grupos de influenciadores propõem caminhos diferentes para chegar ao conhecimento e, assim, à fraternidade. A ironia do destino levou-os a partilhar a mesma rua em pleno Bairro Alto, lugar que continua a acolher a euforia dos jovens na noite, habituados a beber de outras fontes.
Há espaço e espaços para todos. O caminho para a tolerância passará pelo conhecimento autêntico – aquele que
esclarece e que quebra preconceitos e limitações. Quem ignora tem medo e quem tem medo ataca. Resta-nos desejar que cada um de nós seja um bom influenciador e consiga alcançar o verdadeiro esplendor da fraternidade: viver como quem partilha o mesmo peito. Em última análise, que nos sintamos irmãos de leite. Todos, sem exceção, somos chamados à igualdade e a partilhar o mesmo alimento, que é vida.
Professor e investigador