Há coisa de um mês, sensivelmente, em plena Autoeuropa, o Primeiro-Ministro e o Presidente da República faziam juras de um amor eterno. Lembram-se? O primeiro que é terceiro na hierarquia do Estado avançava com a recandidatura (por si apoiada) do outro que é o primeiro e, para selar esse momento de grande confiança e emoção, o PR resolveu fazer das suas e dizer que estava rendido ao "brilhantismo" do PM e que ele era quem tinha toda a razão naquela história esquisita de uns 850 milhões de euros de injecção financeira do Estado – entretanto autorizada pelo Ministro das Finanças com o aval do Primeiro-Ministro e de todo o restante Governo que o decidira em Conselho de Ministros – no Novo Banco e, porquanto, antes mesmo do resultado final de uma certa e determinada auditoria em curso que, certamente por pura distração ou esquecimento no meio de tanta confusão 'covideana', fez o PM passar por um vil mentiroso no Parlamento aquando da resposta por si dada a uma inócua pergunta da deputada e líder do BE que ainda para mais é a sua melhor amiga política parlamentar (BFF).
Toda uma encenação ali montada em ambiente industrial, quase levando-nos a crer estarmos perante o patrocínio daquela que é a maior empresa industrial do ramo automóvel a operar em Portugal à recandidatura supra partidária, nacional e hegemónica de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma empresa que, curiosamente, apenas existe graças a um outro protagonista político que foi dez anos Primeiro-Ministro e outros dez Presidente da República deste país à beira-mar plantado…
Afinal, era tudo verdade.
Afinal, o país não é governado por gente séria.
Afinal, ele saiu logo naquela noite de reunião tensa em São Bento.
Afinal, levou a dele avante mesmo depois de um patético telefonema de desculpas presidencial absolutamente humilhante.
Afinal, o líder da oposição e insistentemente candidato a vice PM do próximo Governo desta legislatura tinha razão ao pedir a demissão de alguém há já muito tempo demissionário de facto.
Afinal, tudo não passou de uma farsa.
Afinal, tudo isto foi apenas mera teatralidade dos dois maiores actores e encenadores políticos da actualidade, qual companhia de teatro dos palácios Belém – São Bento.
Afinal, isto não passou de uma peça de teatro de comédia e de gozo permanente com os 'estúpidos' dos portugueses que, a final, aplaudem de pé toda esta charada sem terem percebido patavina do enredo.
Parabéns Prof. Marcelo Rebelo de Sousa!
Parabéns Dr. António Costa!
O povo português tem exactamente a liderança política que merece.
E claro está, parabéns ao Prof. Mário Centeno, o nosso salvador financeiro. O grande economista português. O melhor Ministro das Finanças desde que há finanças! O homem do superavit!
O Super Mário irá em breve ser o Governador do Banco de Portugal. É merecido!
Porém, dizem agora algumas vozes, poucas e naturalmente muito irritantes: mas que diabo, então se o homem é tudo isto e mais um par de sapatos (propositadamente escolhidos para não confundir com botas) por que raio de razão não fica o tipo como Ministro das Finanças logo agora que o país tanto precisa dos seus melhores cidadãos, sábios académicos e professoralmente brilhantes?
Então agora que mais precisamos de nós todos nos lugares certos para ajudarmos a reerguer Portugal no pós-pandemia que destruiu a economia de alto a baixo e sem precedentes, cujos estragos estão ainda longe de ser imaginados, o nosso melhor Ministro das Finanças de toda a nossa história colectiva resolve desertar?
Mas como é isto possível? Como se pode isto explicar?
Não está disponível para colocar a sua assinatura no previsível maior déficit do pós troika e imediatamente seguido ao histórico ou talvez histérico superavit do ano passado?
Porquê?
Será porque, se se tivessem pago todas as facturas em aberto em que o Estado é devedor, designadamente e apenas a título de exemplo em despesas com a saúde, onde, de resto, as cativações feitas pela sua brilhante equipa atribuem ao Estado que representam o epíteto de caloteiro e marcaram de forma indelével o laxismo, a negligência e a irresponsabilidade relativamente à saúde das pessoas em geral, teria havido superavit?
Ou porque sem a maior carga fiscal de sempre suportada coercivamente pelos contribuintes principalmente via impostos indirectos, taxas e taxinhas, teria também havido superavit?
Ou ainda, porque sem a conjuntura económica absolutamente favorável (e ainda bem) em que batemos recordes sucessivos no turismo, com milhões de turistas a nos escolherem como destino de férias e, estranhamente, a não usarem a TAP nessas respectivas viagens – razão pela qual os prejuízos foram sempre garantidos por essa companhia aérea inútil ao país – teria igualmente havido superavit?
Seja como for, parece mal. Muito mal!
Fica a estranha sensação de que o senhor está claramente a pôr a sua carreira pessoal em primeiro plano, estando-se, como se denomina tecnicamente, a marimbar para o país. Mesmo quando facilmente se percebe que essa "carreira pessoal" absolutamente legítima envolve em exclusivo as instituições públicas e democráticas nacionais.
No meu caso, confesso, que foi de ficar sem palavras. Mas o leitor que faça a sua própria avaliação e julgamento da situação. Sim. Julgamento. Temos esse direito, diria até dever, escrutinador democrático enquanto cidadãos que somos.
"Um general não se muda em combate" disse o próprio Primeiro-Ministro, não a propósito do ainda titular da pasta das finanças, mas relativamente aos titulares da DGS – a da Saúde – não a outra entretanto quase reabilitada por estes pandémicos dias atlânticos…
Ora pelos vistos, palavras leva-as o vento!
O tal e o mesmo "vento que passa" a quem o poeta "perguntou notícias do seu país". O mesmo e o tal "vento que cala a desgraça. O vento que nada lhe diz"… E reparo que à minha volta o sentimento é o mesmo do poeta que "pergunta à gente que passa por que vai de olhos no chão. Silêncio – é tudo o que tem quem vive na servidão".
E como são já mais de quatro décadas de abuso sobre um povo que nada quer saber, deixaram de se preocupar com o facto de "mesmo na noite mais triste, em tempo de servidão. Haver sempre alguém que resiste. Haver sempre alguém que diz não".
Jurista.
Escreve de acordo com a antiga ortografia.