“Um governo sem jornais ou jornais sem governo”? 11.250.000,00€ numa resposta de 1787.


Mas o documento apresentado pelo Governo começa logo torto. Basta ler, no preâmbulo, a seguinte linha de pensamento: “o Estado tem de contribuir, numa altura de fake news, para a veracidade das notícias”. Como? O Estado tem de se preocupar com outras coisas, o Estado não escolhe a veracidade de notícia nenhuma! Quem escolhe, consagrado…


Andámos todos distraídos com uma “novela-mexicana”, profundamente desnecessária ao país, em torno do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, do Primeiro-Ministro António Costa e do ainda Ministro Mário Centeno. Resumindo, com «spoiler alert» para os distraídos, foi uma enorme volta de 180 graus. Ficámos todos no mesmo sítio, mas perdemos atenção a factos importantes.

Dentro desses factos importantes, há algo que não podemos calar ou deixar passar sem ponderar. O apoio governamental destinado aos media sob a forma de compra antecipada de publicidade institucional, cujos montantes foram publicados na terça-feira em Diário da República. Nesse despacho, precisamente no anexo II, podemos ver os valores dos 11.250.000,00 € que serão distribuídos pelos órgãos de comunicação social nacionais.

Mas, antes de tudo, duas questões importantes que devemos fazer:

Primeira questão: Este despacho divulgado terça-feira não é omisso nos critérios da distribuição deste valor? Sim, é omisso.

Segunda questão: O Governo divulgou como fez os cálculos dos montantes? Não, não divulgou.

Vamos por partes. Nesta fase difícil, em virtude da pandemia e estado de emergência nacional, com clara repercussão económica que também prejudicou todos os órgãos de comunicação social, é necessário ter-se a sensibilidade da importância de apoiar esta ferramenta essencial da democracia: Os jornais, as notícias e quem trabalha de sol a sol a informação que chega a todo e qualquer cidadão de forma livre.

Uma clara maioria da população, da qual faço parte, apoia a decisão do Estado em conferir apoio financeiro à comunicação social. Porém, podemos concordar com uma finalidade e discordar em absoluto da forma que se traça para lá chegar.

Temos, de forma mais ou menos consensual da direita à esquerda, um Programa de apoio muito mal desenhado que levanta uma evidente desconfiança na atribuição de verbas.

Não é fácil perceber que o grupo Impresa (detentor da SIC e Expresso) e grupo Média Capital (proprietário da TVI), juntos, com respetivamente 3.491.520,32€ mais 3.342.532,68€, num total superior a 6.8 milhões de euros, “levem” logo à cabeça mais de 60% do valor total da verba de apoio à comunicação social nacional quando teoricamente são os com maior liquidez financeira. Mas temos ainda, claro, o enorme grupo COFINA – detentora de títulos como o Correio da Manhã, a CMTV, o Jornal de Negócios, o Record ou a Sábado – que é previsto receber 1,691 milhões de euros. Ora, em três (os maiores até) grupos distribui logo o Governo 8.5 dos 11.2 milhões de euros do apoio total.

Passamos à “liga dos últimos”, que é como quem diz: Os que transformaram em pequeninos e vêm só a seguir aos três que o Governo assumiu como grandes.

Infelizmente, num critério de apoio equilibrado face ao poderio de cada grupo, os valores baixam substancialmente nesta “liga dos últimos”: o grupo Rádio Renascença vai ter um apoio de 480 mil euros, a Trust in News (detém a Visão, a Exame e a Caras) vai receber 406 mil euros e a Sociedade Vicra Desportiva (proprietários do jornal A Bola e da Bola TV) irá receber 329 mil euros. O jornal Público vai receber 314,8 mil euros em contratos de publicidade institucional.

Só há mais cinco grupos de comunicação social nacionais abrangidos pela medida aprovada esta terça feira. Mas aqui, não pela qualidade que têm (manifestamente de qualidade superior como a de todos os outros grupos), o campeonato que o Governo montou lembra-me os distritais de futebol que se disputam em pelados e terra batida onde há balizas com redes remendadas e bancadas com bancos de madeira e cadeiras de plástico deterioradas.

A Newsplex, dona do semanário Sol e do diário i, vai receber apenas 38,6 mil euros. Já a Megafin, detentora do Jornal Económico, recebe 28,84 mil euros. A Avenida dos Aliados – Sociedade de Comunicação, dona do Porto Canal, vai receber 23,27 mil euros. Deixo propositadamente de fora o Observador e jornal ECO porque, ambos, rejeitaram o apoio governamental concedido ao abrigo de programa destinado aos media.

Sem critério conhecido, como inclusive os dois órgãos que rejeitaram apoio referem, mas partindo do pressuposto que esta medida viria mitigar as dificuldades sentidas nesta fase – e nos próximos tempos que se esperam – de grupos com menor implementação e maiores dificuldades, é manifestamente estranho serem os maiores a receber mais e os mais prejudicados a receber menos. Repetindo: Sem critério algum. 

Mas o documento apresentado pelo Governo começa logo torto. Basta ler, no preâmbulo, a seguinte linha de pensamento: “o Estado tem de contribuir, numa altura de fake news, para a veracidade das notícias”. Como? O Estado tem de se preocupar com outras coisas, o Estado não escolhe a veracidade de notícia nenhuma! Quem escolhe, consagrado na Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 38º, referente à Liberdade de Imprensa e meios de comunicação social, são os próprios jornais e jamais o Estado.

Reiterando o foco: É útil e positiva a manifesta vontade de apoio do Estado aos media, porém, com critério. Assim, A escolha foi do Governo, em função das suas preferências. Os modelos de incentivo que transfiram para o mercado, para os leitores e para os investidores comerciais ou de capital a decisão sobre que meios devem ser apoiados deviam ter sido transparentes, claro e inquestionáveis.

Assim, ficara a “fumaça” que sobre o método escolhido em exclusivo pelo Governo de António Costa. Ficará a dúvida, a suspeição e o descrédito.

O Governo devia ter gerido melhor a situação. Quem terá forma de atenuar o descrédito quando um jornal que tenha recebido uma verba avolumada elogiar uma medida do governo? Qual o critério para os que dirão “compraram as ideias dos jornalistas com milhões”? E quando um jornal, pensando até nos que rejeitaram o apoio, criticar António Costa e surgirem defensores do Governo a dizer “Não receberam apoio, agora vingam-se”? Pois é, senhor Primeiro-Ministro. Errou na metodologia embora tenha acertado na finalidade que tinha inicialmente.

Dizem os investidores e proprietário de várias empresas ligadas à comunicação social, mas sente qualquer português, que vamos viver uma recessão sem precedentes, com consequências económicas e sociais profundas. Há que ter coragem em questionar, pensar, refutar sem medos e com coragem porque os períodos de emergência são terreno fértil para abusos de quem tem o poder.

Sobre abusos de poder, deixo uma reflexão com quase 2 anos. Foi no dia 16 de Agosto de 2018. Nesse dia, uma quinta-feira, perto de 350 editoriais nos Estados Unidos refletiam em conjunto, e a uma só voz, para o perigo que representava para a democracia os ataques da administração Trump à imprensa livre.

Para terminar, em defesa da imprensa livre, que é pilar essencial no mundo que vivemos, refletir através do The New York Times quando teve o fabuloso editorial "Uma imprensa livre precisa de si". O diário americano, nesse 16 de Agosto de 2018, recordou e bem as palavras de Thomas Jefferson, um dos fundadores da nação e autor da Declaração de Independência que agora aqui cito: “Em 1787, ano em que a Constituição foi adotada, Thomas Jefferson escreveu a um amigo: Se me fosse deixada a decisão se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria um momento em preferir a última”.

Tal como Thomas Jefferson em 1787 e o editorial do The New York Times em 2018, reiterar a ideia mais benéfica para a democracia em 2020: Jornais sem Governo. A autonomia e a insuspeição são o maior trunfo da democracia.

Que superemos a intromissão deste Governo português que, quero acreditar que com muito boa vontade, poderá, mesmo colocando uns euros de apoio, trazer mais dificuldades a muita imprensa nacional que tanto ajuda a democracia diariamente.

 


“Um governo sem jornais ou jornais sem governo”? 11.250.000,00€ numa resposta de 1787.


Mas o documento apresentado pelo Governo começa logo torto. Basta ler, no preâmbulo, a seguinte linha de pensamento: “o Estado tem de contribuir, numa altura de fake news, para a veracidade das notícias”. Como? O Estado tem de se preocupar com outras coisas, o Estado não escolhe a veracidade de notícia nenhuma! Quem escolhe, consagrado…


Andámos todos distraídos com uma “novela-mexicana”, profundamente desnecessária ao país, em torno do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, do Primeiro-Ministro António Costa e do ainda Ministro Mário Centeno. Resumindo, com «spoiler alert» para os distraídos, foi uma enorme volta de 180 graus. Ficámos todos no mesmo sítio, mas perdemos atenção a factos importantes.

Dentro desses factos importantes, há algo que não podemos calar ou deixar passar sem ponderar. O apoio governamental destinado aos media sob a forma de compra antecipada de publicidade institucional, cujos montantes foram publicados na terça-feira em Diário da República. Nesse despacho, precisamente no anexo II, podemos ver os valores dos 11.250.000,00 € que serão distribuídos pelos órgãos de comunicação social nacionais.

Mas, antes de tudo, duas questões importantes que devemos fazer:

Primeira questão: Este despacho divulgado terça-feira não é omisso nos critérios da distribuição deste valor? Sim, é omisso.

Segunda questão: O Governo divulgou como fez os cálculos dos montantes? Não, não divulgou.

Vamos por partes. Nesta fase difícil, em virtude da pandemia e estado de emergência nacional, com clara repercussão económica que também prejudicou todos os órgãos de comunicação social, é necessário ter-se a sensibilidade da importância de apoiar esta ferramenta essencial da democracia: Os jornais, as notícias e quem trabalha de sol a sol a informação que chega a todo e qualquer cidadão de forma livre.

Uma clara maioria da população, da qual faço parte, apoia a decisão do Estado em conferir apoio financeiro à comunicação social. Porém, podemos concordar com uma finalidade e discordar em absoluto da forma que se traça para lá chegar.

Temos, de forma mais ou menos consensual da direita à esquerda, um Programa de apoio muito mal desenhado que levanta uma evidente desconfiança na atribuição de verbas.

Não é fácil perceber que o grupo Impresa (detentor da SIC e Expresso) e grupo Média Capital (proprietário da TVI), juntos, com respetivamente 3.491.520,32€ mais 3.342.532,68€, num total superior a 6.8 milhões de euros, “levem” logo à cabeça mais de 60% do valor total da verba de apoio à comunicação social nacional quando teoricamente são os com maior liquidez financeira. Mas temos ainda, claro, o enorme grupo COFINA – detentora de títulos como o Correio da Manhã, a CMTV, o Jornal de Negócios, o Record ou a Sábado – que é previsto receber 1,691 milhões de euros. Ora, em três (os maiores até) grupos distribui logo o Governo 8.5 dos 11.2 milhões de euros do apoio total.

Passamos à “liga dos últimos”, que é como quem diz: Os que transformaram em pequeninos e vêm só a seguir aos três que o Governo assumiu como grandes.

Infelizmente, num critério de apoio equilibrado face ao poderio de cada grupo, os valores baixam substancialmente nesta “liga dos últimos”: o grupo Rádio Renascença vai ter um apoio de 480 mil euros, a Trust in News (detém a Visão, a Exame e a Caras) vai receber 406 mil euros e a Sociedade Vicra Desportiva (proprietários do jornal A Bola e da Bola TV) irá receber 329 mil euros. O jornal Público vai receber 314,8 mil euros em contratos de publicidade institucional.

Só há mais cinco grupos de comunicação social nacionais abrangidos pela medida aprovada esta terça feira. Mas aqui, não pela qualidade que têm (manifestamente de qualidade superior como a de todos os outros grupos), o campeonato que o Governo montou lembra-me os distritais de futebol que se disputam em pelados e terra batida onde há balizas com redes remendadas e bancadas com bancos de madeira e cadeiras de plástico deterioradas.

A Newsplex, dona do semanário Sol e do diário i, vai receber apenas 38,6 mil euros. Já a Megafin, detentora do Jornal Económico, recebe 28,84 mil euros. A Avenida dos Aliados – Sociedade de Comunicação, dona do Porto Canal, vai receber 23,27 mil euros. Deixo propositadamente de fora o Observador e jornal ECO porque, ambos, rejeitaram o apoio governamental concedido ao abrigo de programa destinado aos media.

Sem critério conhecido, como inclusive os dois órgãos que rejeitaram apoio referem, mas partindo do pressuposto que esta medida viria mitigar as dificuldades sentidas nesta fase – e nos próximos tempos que se esperam – de grupos com menor implementação e maiores dificuldades, é manifestamente estranho serem os maiores a receber mais e os mais prejudicados a receber menos. Repetindo: Sem critério algum. 

Mas o documento apresentado pelo Governo começa logo torto. Basta ler, no preâmbulo, a seguinte linha de pensamento: “o Estado tem de contribuir, numa altura de fake news, para a veracidade das notícias”. Como? O Estado tem de se preocupar com outras coisas, o Estado não escolhe a veracidade de notícia nenhuma! Quem escolhe, consagrado na Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 38º, referente à Liberdade de Imprensa e meios de comunicação social, são os próprios jornais e jamais o Estado.

Reiterando o foco: É útil e positiva a manifesta vontade de apoio do Estado aos media, porém, com critério. Assim, A escolha foi do Governo, em função das suas preferências. Os modelos de incentivo que transfiram para o mercado, para os leitores e para os investidores comerciais ou de capital a decisão sobre que meios devem ser apoiados deviam ter sido transparentes, claro e inquestionáveis.

Assim, ficara a “fumaça” que sobre o método escolhido em exclusivo pelo Governo de António Costa. Ficará a dúvida, a suspeição e o descrédito.

O Governo devia ter gerido melhor a situação. Quem terá forma de atenuar o descrédito quando um jornal que tenha recebido uma verba avolumada elogiar uma medida do governo? Qual o critério para os que dirão “compraram as ideias dos jornalistas com milhões”? E quando um jornal, pensando até nos que rejeitaram o apoio, criticar António Costa e surgirem defensores do Governo a dizer “Não receberam apoio, agora vingam-se”? Pois é, senhor Primeiro-Ministro. Errou na metodologia embora tenha acertado na finalidade que tinha inicialmente.

Dizem os investidores e proprietário de várias empresas ligadas à comunicação social, mas sente qualquer português, que vamos viver uma recessão sem precedentes, com consequências económicas e sociais profundas. Há que ter coragem em questionar, pensar, refutar sem medos e com coragem porque os períodos de emergência são terreno fértil para abusos de quem tem o poder.

Sobre abusos de poder, deixo uma reflexão com quase 2 anos. Foi no dia 16 de Agosto de 2018. Nesse dia, uma quinta-feira, perto de 350 editoriais nos Estados Unidos refletiam em conjunto, e a uma só voz, para o perigo que representava para a democracia os ataques da administração Trump à imprensa livre.

Para terminar, em defesa da imprensa livre, que é pilar essencial no mundo que vivemos, refletir através do The New York Times quando teve o fabuloso editorial "Uma imprensa livre precisa de si". O diário americano, nesse 16 de Agosto de 2018, recordou e bem as palavras de Thomas Jefferson, um dos fundadores da nação e autor da Declaração de Independência que agora aqui cito: “Em 1787, ano em que a Constituição foi adotada, Thomas Jefferson escreveu a um amigo: Se me fosse deixada a decisão se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria um momento em preferir a última”.

Tal como Thomas Jefferson em 1787 e o editorial do The New York Times em 2018, reiterar a ideia mais benéfica para a democracia em 2020: Jornais sem Governo. A autonomia e a insuspeição são o maior trunfo da democracia.

Que superemos a intromissão deste Governo português que, quero acreditar que com muito boa vontade, poderá, mesmo colocando uns euros de apoio, trazer mais dificuldades a muita imprensa nacional que tanto ajuda a democracia diariamente.