“Quem já leu um livro do Luís Sepúlveda, seguramente não o esqueceu”

“Quem já leu um livro do Luís Sepúlveda, seguramente não o esqueceu”


O jornalista e escritor Miguel Szymanski esteve com Luís Sepúlveda, um dos seus heróis de adolescência, no festival Correntes d’Escritas, pouco antes de o escritor chileno ser diagnosticado com covid-19.


A última paragem de Luís Sepúlveda antes de contrair a doença que veio a revelar-se mortal foi em Portugal, no festival literário Correntes d’Escritas. Neste conviveu com diversos colegas de profissão, nomeadamente o escritor e jornalista Miguel Szymanski.

Contactado pelo i, Miguel lamentou a morte do seu herói de adolescência que lhe conferiu “o gosto pela escrita”. “Lamentavelmente, é uma perda enorme para toda a gente mas, para mim, tem um toque particularmente doloroso por duas razões. Primeiro, por ter estado com ele nas vésperas de ter adoecido”, confessa. “Em segundo lugar, com ele vai-se um herói e um ídolo da minha juventude. Em parte, ganhei o gosto da escrita por causa do seu trabalho. Portanto, sinto particularmente a partida dele”.

Na hora de escolher os seus livros de eleição do escritor chileno destacou, “obviamente”, o Velho Que Lia Romances de Amor. Contudo, revelou um grande carinho “sobretudo pela sua escrita e os contos de viagem” de Patagónia Express.

“Segui o Sepúlveda na Alemanha. Eu próprio vivi lá quando os chilenos fugiram do seu país depois do assassinato de Salvador Allende [ex-Presidente da República do Chile], a partir de 1973”, explicou. “Havia uma grande comunidade chilena que tinha fugido de uma ditadura de extrema-direita do Augusto Pinochet e, apesar de nunca ter conhecido pessoalmente o Luís antes, sempre tive interesse e senti uma forte ligação com esta comunidade muito presente”.

Miguel Szymanski, após ter sido surpreendido pela notícia de que o escritor chileno tinha sido infetado com a doença, entrou em contacto com a Saúde 24 para perceber como devia agir. “Eu e toda a minha família estivemos em isolamento, numa altura em que a DGS ainda tinha orientações completamente diferentes das que tem agora. Quando liguei para a linha da Saúde 24 e expliquei que tinha tido proximidade com alguém que tinha ficado infetado, disseram que não havia problema, que podia fazer a minha vida normal e que as minhas filhas podiam ir para a escola. Mas eles também foram apanhados de surpresa”, disse.

Em família, tomaram uma decisão diferente. “Louvo o meu bom senso e da minha mulher. Pensámos que isso não podia acontecer e falámos com médicos de saúde pública, que estavam mais dentro das recomendações da DGS. Ficámos imediatamente de quarentena durante 15 dias”, revelou. “Felizmente, não aconteceu nada, mas nunca cheguei a ser testado, mesmo depois de ter avisado que estive em contacto com o Luís Sepúlveda. Portanto, não sei se sou assintomático, se tenho anticorpos, se as dores de cabeça que tive na semana passada foram da garrafa de vinho que bebi na véspera ou se já tinha sido o covid a passar”.

O jornalista lamentou ainda o facto de Sepúlveda ter ficado, agora, eternamente ligado a esta doença. “Era um homem aparentemente saudável, não era um ancião, era um homem de 70 anos que aparentava ter menos dez”. Contudo, o seu legado será bastante diferente.

“Como o próprio dizia, aquilo que queria era que o que escrevesse ficasse na memória. Acho que quem já leu um livro dele, seguramente não se esqueceu. Ainda me lembro de muitos pormenores e comecei a lê-lo quando começaram a sair os seus primeiros livros, nos anos 1980. São os livros que ficam. Ele tinha, de facto, alguma coisa a dizer às pessoas”.