Depois de o barril de petróleo ter estado em queda livre na segunda-feira, ontem voltou a negociar em terreno positivo mas, ainda assim, continua a atingir níveis historicamente baixos. No final do dia de terça-feira, a cotação do petróleo West Texas Intermediate (WTI) referente aos contratos para entrega em maio – cuja negociação acabava nesse dia – estava a 5,49 dólares por barril, depois de ter fechado na véspera a um valor negativo de 37,63 dólares. Isto significa que os investidores/produtores chegaram a pagar para vender um barril. Os analistas contactados pelo i justificam esta quebra de preços: os produtores estão dispostos a pagar para que alguém recolha o petróleo armazenado com o objetivo de libertar algum espaço de armazenamento para o petróleo atualmente produzido e, com isso, evitar paragens de produção, que são sempre muito dispendiosas.
“O preço está em queda porque a oferta excede em muito a procura e começa a faltar espaço para armazenar o excedente. Na segunda-feira, o contrato futuro de crude, com entrega física em maio, foi, pela primeira vez, negociado a um preço negativo. Os produtores de petróleo chegaram a oferecer, a certa altura, 40 dólares por barril para que alguém se disponibilizasse a receber o produto – um cenário nunca antes visto em que os vendedores pagaram aos compradores para ficarem com o petróleo”, refere ao i Ricardo Evangelista, analista sénior da ActivTrades.
Também Pedro Amorim, analista da Infinox, considera que estamos a viver um momento histórico. “Devido à situação atual de baixo consumo energético, chegou-se a uma situação inédita em que ninguém queria ter petróleo físico, ao ponto de se pagar para ficarem com ele”, diz ao i.
Como lembra André Pires, analista da XTB, segunda-feira vai ser recordado como o pior dia da história do mercado de petróleo. “O preço, pura e simplesmente, desceu para valores negativos – algo sem precedentes. Ou seja, os vendedores estiveram dispostos a pagar aos compradores para se desfazerem dos contratos (e do petróleo). Nunca o mercado de petróleo tinha enfrentado uma situação sequer semelhante. Embora não seja inédito um ativo descer abaixo de zero, tais eventos são muito raros”, diz ao i. No entanto, lembra que, do ponto de vista comercial, estes contratos não têm grande importância, uma vez que a maioria da atividade já foi movida para os contratos de junho, que vão ser negociados em torno dos 21,50 dólares por barril. Mas garante que “o evento de segunda-feira acordou os investidores para o facto de que o mercado está saturado e já não há espaço para mais stocks. Daí as quedas registadas ontem, mesmo nos contratos de maior prazo, uma vez que se especula que a situação possa prolongar-se e levar novamente à ocorrência de preços negativos”.
E as perspetivas não são animadoras para os produtores. “O presente cenário ocorre devido a uma combinação de fatores: por um lado, temos o aumento de produção global, com especial incidência nos EUA, que se tornaram o maior produtor mundial; por outro lado, a falta de entendimento entre os principais exportadores, que só na última semana conseguiram chegar a acordo para a redução das suas cotas de produção, fazendo-o, no entanto, de forma limitada, cortando a produção em apenas 10 milhões de barris por dia, quando se estima que a quebra na procura, devido às medidas tomadas para conter a disseminação do novo coronavírus, seja de 30 milhões. Tendo em conta estes pontos, não será de esperar uma perspetiva mais desanuviada no curto prazo. Um regresso à normalidade não está, para já, no horizonte, e, sem capacidade de escoamento ou armazenamento, será natural que o preço do barril se mantenha sob pressão devido ao excedente na oferta”, afirma Ricardo Evangelista.
A opinião é partilhada por Pedro Amorim, ao admitir que não há procura e, como tal, iremos continuar a assistir à desvalorização desta matéria-prima nos próximos dias.
Europa não fica alheia Também o Brent, que serve de referência para a Europa, está sob pressão e a tendência é para desvalorizar. “A conjugação de fatores que condiciona o preço do barril de crude também afeta o Brent, como se pôde ver ontem, com o preço a cair cerca de 30%”, afirma ao i o analista sénior da ActivTrades.
Também André Pires lembra que o Brent não se tem mostrado imune à situação e o seu preço é contagiado pelas quedas do WTI, “na medida em que também esta mercadoria está sujeita à saturação do mercado num futuro próximo”.
Galp já sente efeitos A petrolífera portuguesa anunciou que vai parar a produção na refinaria de Sines [onde se transforma o crude em gasolina e gasóleo] a partir de 4 de maio, durante um mês. Esta paralisação já tinha ocorrido em Matosinhos. A decisão está relacionada com o facto de a capacidade de armazenagem estar “a atingir rapidamente o seu limite”, mas a Galp garante que o fornecimento do mercado está garantido e que a medida não terá efeitos nos trabalhadores afetos à refinaria.
A hipótese da paragem de Sines já se colocava no início de abril, quando foi decidido o encerramento da refinaria de Matosinhos face aos “constrangimentos no mercado nacional e internacional”, explicou fonte da empresa. Na altura, a possibilidade de recorrer ao regime de layoff simplificado não foi confirmada, mas também não foi excluída.
“É uma consequência natural do abrandamento na procura não só de petróleo, mas também dos seus derivados, devido à quase paralisação da esmagadora maioria das economias, que tem levado a quebras no consumo”, diz ao i Ricardo Evangelista.
Também André Pires lembra que a interrupção das refinarias da Galp se deve à queda na procura, que torna a produção insustentável ou arriscada. “Obviamente, os resultados da Galp sentiram o impacto da liquidação no mercado de petróleo. Caso as restrições às deslocações sejam levantadas em breve, o armazenamento de matéria-prima adquirida a baixos preços poderá compensar parcialmente as perdas atuais da empresa. De outra forma, se as restrições se prolongarem, a Galp poderá ter de reconsiderar a sua estratégia para enfrentar a crise atual”, afirma ao i.
A opinião vai ao encontro da de Pedro Amorim, que admite que já era de esperar esta situação. “Não existe mais espaço para armazenar petróleo refinado. A produção deverá parar em todo o mundo nas próximas semanas. Isso servirá para que o preço do petróleo corrija em alta. A Galp é uma das empresas mais afetadas por esta situação. É uma oportunidade para a empresa portuguesa reformar a sua estratégia de longo prazo e focar-se na investigação e desenvolvimento. Tem capacidade para isso e para ser especialista nalgum produto”, conclui.
Petróleo em terreno negativo. E combustíveis vão descer?
Nos Estados Unidos, o preço do barril está a atingir níveis históricos. E os combustíveis vão sentir esse efeito? Nem tudo são boas notícias. Os analistas contactados pelo i admitem que a redução a que temos vindo a assistir do preço do petróleo bruto não se irá refletir plenamente, já que as distribuidoras têm custos fixos a cobrir e que o preço ao consumidor é determinado, em larga escala, pela carga fiscal. No entanto, a saturação dos mercados poderá levar o preço dos combustíveis a cair ainda mais, já que a procura continua a ser baixa. Ainda assim, há quem seja mais otimista e acredite que “iremos registar a maior baixa do preço dos combustíveis de sempre”, como refere Pedro Amorim.
Qual o peso dos impostos? Só os impostos representam cerca de 60% do preço final dos combustíveis. De acordo com as contas da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), a carga fiscal na gasolina representa 63% do valor final, enquanto no gasóleo pesa 56%. A juntar a isto é necessário contar com os custos fixos das despesas de armazenamento e distribuição e do biocombustível. Feitas as contas, as petrolíferas ficam com pouca margem para conseguirem alterar os valores que são cobrados aos consumidores finais, independentemente de o preço do petróleo subir ou descer nos mercados internacionais. A agravar esta situação há que contar ainda com o imposto sobre produtos petrolíferos, que vem encarecer ainda mais o preço a cobrar aos clientes.