Ensino. “O risco maior da solução é o agravamento das desigualdades”

Ensino. “O risco maior da solução é o agravamento das desigualdades”


Ex-ministro da Educação Oliveira Martins deixa alerta. Marçal Grilo acrescenta que “aqueles que menos têm ficam pior”.


O terceiro período do ano letivo arranca oficialmente hoje e o Governo apontou a data de 4 de maio para decidir se são possíveis as aulas presenciais para os alunos do 11.o e do 12.o ano, com regras específicas para cumprir as condições de segurança. Mas ainda não há certeza absolutas.

E o que pensam antigos ministros da Educação sobre as soluções encontradas? O i ouviu três antigos governantes com a tutela da Educação, de diferentes Governos. E as respostas são cautelosas, porque ninguém estava preparado para a covid-19. Nuno Crato (2011-2015), Marçal Grilo (1995-1999) e Guilherme d’Oliveira Martins (1999-2000) concordam que não existem soluções ideais. E deixam avisos e até algumas sugestões. Mas vamos por partes.

O antigo ministro da Educação Guilherme d’Oliveira Martins (num Governo do PS) considera que a solução encontrada “é a possível”. Mas “o risco maior da solução é o agravamento das desigualdades, uma vez que quem tem apoios familiares será inexoravelmente beneficiado. O ótimo é inimigo do bom, como sabemos. Não pode haver qualquer tentação de facilidade”, defende o também ex-presidente do Tribunal de Contas. O que seria inaceitável era a hipótese de passagens administrativas, via secretaria: “ Entendo que deverá haver especial cuidado na sua aplicação. As passagens administrativas são inaceitáveis. O rigor e a exigência deverão ser preservados tanto quanto possível”.

Para Nuno Crato, antigo ministro da Educação no período da troika, num governo PSD/CDS, há que começar por reconhecer que “estamos a assistir a um imenso esforço e trabalho dos professores, acompanhado por um grande esforço dos pais e alunos. Os tempos exigem-no, mas nada é fácil”. Num comentário escrito para o i, Nuno Crato lembra que “além das dificuldades sempre presentes no ensino à distância em qualquer das suas vertentes, enfrentamos agora as dificuldades de termos de nos reajustar num prazo muito curto”. Para o ex-governante, a experiência do confinamento social, aliada ao estado de emergência por razões sanitárias, demonstrou as fragilidades do ensino à distância: “Estamos todos a perceber que o ensino à distância tem as suas dificuldades e inconvenientes. Algum utopismo, que tinha sido disseminado, de que os computadores permitem um ensino melhor e mais interativo do que o ensino presencial está a revelar-se isso mesmo, uma ideia utópica”. Assim, Nuno Crato faz questão de desabafar: “Hoje, todos temos saudades de aulas presenciais, com professores e alunos reais, de carne e osso, e diálogo olhos nos olhos. A tecnologia é útil, mas o professor continua a ser central, tal como central é a interação entre professores e alunos”. Por fim, dá conselhos, baseados em vários estudos discutidos no site da Iniciativa Educação para tentar melhorar o ensino não presencial. Para o efeito, sugere três medidas: “A primeira é ir direto ao essencial, tentar simplificar a mensagem de forma que ela exprima os conceitos principais, e não procure explorar todas as suas ramificações. A segunda é condensar os conceitos e atividades em pequenos blocos, em vez de blocos grandes. A terceira é provocar a máxima interação, realizar frequentemente pequenas tarefas que ajudem todos a verificar se os conceitos estão bem apreendidos”.

Quem comanda é o vírus Na opinião de Marçal Grilo, antigo ministro da Educação, a situação é complexa e, basicamente, ninguém estava preparado para implementar o ensino à distância nestes moldes e por estes motivos. O que está a tentar fazer-se “é minimizar os danos, porque isto tem danos”, avisa Eduardo Marçal Grilo. No fim da linha, a reabertura parcial e gradual das escolas só depende da evolução do vírus: “Quem comanda isto é o vírus. Talvez seja de pensarmos que o ano escolar possa escorregar”, admite o antigo governante, sublinhando também que se deu um “salto grande” com o recurso ao ensino com a ajuda da internet, do qual “não havia uma experiência continuada” no país. Para Marçal Grilo, as soluções são complexas: defende que a telescola nos anos 60 foi uma “experiência, em geral, bem-sucedida”, mas adverte que há um problema sério para o 11.o e o 12.o ano de escolaridade “porque envolve um exame nacional que é fundamental para a entrada no ensino superior”. Em seu entender, “terá de haver algum ensino presencial” para a realização destes exames. Além disso, há outra certeza: “Quer queiramos quer não, este ano escolar vai trazer grandes perturbações para o próximo ano letivo. Isto vai ter repercussões. No ano [letivo] de 2020/2021 vai ter de haver aulas de recuperação”, sugere.

Tal como Nuno Crato, Marçal Grilo defende que “o ensino presencial dificilmente é substituível pelo ensino à distância. (…) Isto não toca a todos da mesma forma. (…) Aqueles que menos têm ficam pior do que aqueles que mais têm” – ou seja, as desigualdades podem aumentar.