Lares. “Os funcionários vão para casa e depois quem trata dos idosos?”

Lares. “Os funcionários vão para casa e depois quem trata dos idosos?”


Situações de pânico que se têm vivido nos lares trazem insegurança e associações temem que, se os idosos começarem a ser transferidos para os hospitais, não haja espaço suficiente e possa acontecer o mesmo que em Itália ou Espanha.


Os utentes dos lares de Vila Nova de Famalicão e de Vila Real foram esta semana transferidos para o Hospital Militar do Porto e de Braga. As funcionárias da instituição de Vila Real gritaram à janela e pediram para fazer os testes de despiste, depois de 13 pessoas daquele lar terem sido infetadas. Nos lares está um dos grupos de maior risco quando se fala em contaminação por covid-19: os idosos, que além da idade avançada podem ter outras doenças associadas. E, depois de nos últimos dias se ter instalado o pânico em alguns lares onde foram identificados casos positivos de infeção pelo novo coronavírus, são várias as entidades que pedem mão firme da tutela para que exista organização dentro dos lares e que as medidas sejam únicas e aplicadas a nível nacional, mesmo que estejam em causa instituições privadas, sob pena de acontecer o mesmo que está a acontecer em Espanha ou em Itália, com hospitais sobrelotados e idosos a serem abandonados.

“Se todos os idosos forem transferidos para hospitais militares, não vamos ter hospitais suficientes”, disse ao i José Bourdain, presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados (ANCC), que defende ainda que “o Governo deve dar orientações claras, e são precisos menos políticos e mais especialistas para acalmar as pessoas”.

Neste momento é difícil manter a calma dentro dos lares, sobretudo das pessoas que lá trabalham. “Mal aparece uma situação deste género (de infeção), os funcionários vão para casa, e depois quem trata dos idosos?”, questiona José Bourdain, admitindo que há dificuldades em manter as pessoas a trabalhar. Além disso, a maior parte dos lares não têm uma segunda linha de funcionários, porque a falta de profissionais é uma realidade que se vive ao longo do ano.

É preciso garantir a continuidade dos serviços e, por isso, a Associação Nacional de Cuidados Continuados defende que “os utentes e colaboradores deveriam ser agrupados em infetados e não infetados, ou seja, colaboradores infetados com sintomas ligeiros ou assintomáticos podem continuar a prestar cuidados”, desde que sejam cumpridas as regras de segurança. Também “as instituições devem poder partilhar entre si profissionais e instalações, devendo isto ser feito ao nível local e ser centralizado na câmara municipal, por ser mais ágil e por melhor conhecer as realidades locais”, referiu a associação numa carta enviada ontem à ministra da Saúde, Marta Temido.

A propósito das medidas que devem ser tomadas, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, explicou ontem, durante a conferência de imprensa habitual, que o objetivo não será “isolar o lar ou torná-lo um gueto”. “O que temos de providenciar com as forças locais são formas de conseguir separar pessoas positivas de pessoas negativas, para evitar que estes dois mundos se juntem. Sempre que for possível, essa separação será feita. Quando isto não for possível, localmente terão de ser encontradas soluções para fazer esta separação”, disse Graça Freitas. As ordens, segundo a Direção-Geral da Saúde, devem ser dadas localmente, uma vez que cada lar pertence a uma determinada área de agrupamento de centros de saúde, onde existe uma autoridade de saúde correspondente. As dúvidas recaem neste último ponto, já que a Associação Nacional de Cuidados Continuados defende que as regras devem ser iguais para todos, e não dadas pelas autoridades de saúde regionais.

Entrada e saída dos funcionários é fator de risco Perante as palavras da tutela, as associações pedem mais. “As instituições estão a chegar ao limite das suas capacidades”, disse ao i Ricardo Pocinho, presidente da Associação Nacional de Gerontologia Social (Anges). O facto de entrarem e saírem funcionários todos os dias nas instituições aumenta o risco de contágio. “Por isso, deveria ser adotado o mesmo esquema que foi adotado para os médicos e enfermeiros, de rotatividade”, explicou Ricardo Pocinho, acrescentando que os profissionais deveriam trabalhar por turnos, quinzenalmente, de forma a evitar a propagação do vírus.

O que está a acontecer, por exemplo, em Espanha não traz tranquilidade e as associações temem que, se não forem tomadas mais medidas, o mesmo aconteça em Portugal. Nos últimos dias, além de hospitais sobrelotados, o exército espanhol encontrou idosos abandonados em lares, alguns deles já mortos, depois de os funcionários terem abandonado as instalações. A ministra da Defesa prometeu mão firme para apurar os responsáveis pelo abandono de um dos principais grupos de risco mas, além disso, com o colapso dos serviços fúnebres, os corpos das vítimas não estão a ser recolhidos dentro do prazo estipulado de 24 horas, o que aumenta o risco de contágio nos lares espanhóis.

“Lares são bomba-relógio” Se, por um lado, as associações querem medidas a nível nacional, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses defende que as regras devem ser definidas caso a caso. Alfredo Gomes, da associação sindical, explicou ao i que as decisões devem tomadas mediante o problema. Ou se transferem os idosos para um hospital, em caso de confirmação de infeção, ou se asseguram recursos humanos para garantir que os utentes continuam a ser tratados. “Por exemplo, pode ser feita a mobilização de enfermeiros do setor público para o privado, nestes casos” – uma medida que está, aliás, prevista na declaração do estado de emergência. No entanto, a opinião é unânime: “Se optarmos sempre pela mesma solução de transferir idosos para o hospital, os doentes que precisarem de vaga não vão ter”.

“Os lares são uma bomba-relógio, porque sabemos que há poucos profissionais e estamos a falar de utentes com idade avançada e com doenças associadas”, disse Alfredo Gomes.