“Os testes têm de ser usados em massa”

“Os testes têm de ser usados em massa”


Ordem dos Médicos defende revisão das orientações para profissionais que lidaram com doentes sem proteção. “Pessoas em que houve contactos de risco não devem estar a trabalhar”, diz Miguel Guimarães. 


A pandemia está a acelerar. O alerta foi feito esta segunda-feira pelo diretor-geral da Organização Mundial de Saúde: “Demorou 67 dias até passarmos do primeiro caso a 100 mil casos, 11 dias para chegarmos aos segundos 100 mil casos e apenas quatro dias para termos mais 100 mil casos”, resumiu Tedros Adhanom, defendendo que ainda é possível mudar a trajetória da epidemia. Mas não chega jogar à defesa, disse, no dia em que a OMS lançou uma campanha mundial com a FIFA . “Pedir às pessoas para ficar em casa e outras medidas de distanciamento social são importantes para abrandarem a propagação do vírus e comprar tempo – mas são medidas defensivas. Para vencer, precisamos de atacar o vírus de forma agressiva e com táticas dirigidas – testar todos os casos suspeitos, isolar e cuidar de cada caso confirmado e identificar e colocar em quarentena cada cuidado próximo. 

Os receios de que a estratégia possa estar a ter lacunas em Portugal mantêm-se. Ao i, o bastonário dos Médicos, Miguel Guimarães, defende que os testes disponíveis têm de ser “usados em massa” e continuam a chegar à Ordem relatos de que isso não está a acontecer, até para o despiste de infeções entre profissionais de saúde que tiveram contacto com doentes sem estarem a usar equipamento de proteção individual, que é outra das frentes de apreensão. A Ordem defende que deve ser revista a orientação emitida na semana passada sobre os procedimentos a adotar em casos em que os profissionais de saúde estejam expostos a doentes. A orientação determinou que apenas profissionais de saúde que mostrem sintomas devem ser testados. Os que forem considerados em alto risco, médicos, enfermeiros ou outros profissionais que tenham prestado cuidados diretos ao doente sem a devida proteção, devem ficar em isolamento 14 dias, mas os restantes que tenham contacto com os doentes sem lhes prestar cuidados diretos devem permanecer a trabalhar, com máscara. Miguel Guimarães defende que nesta fase da epidemia não existe necessidade de saltar a fase de isolamento, o que pode aumentar o risco de surgirem casos nas instituições, defendendo que as medidas devem ter em conta também se os profissionais de saúde são portadores de fatores de risco, seja idade ou doença crónica. “Neste momento há muitos médicos que pararam a sua atividade habitual, temos folga, sabemos que é uma folga que vai desaparecer à medida que os doentes forem aumentando, mas neste momento podemos aproveitar isto para garantir o isolamento de casos suspeitos e prevenir situações de contágio”, diz o bastonário. Ontem o secretário de Estado da Saúde António Lacerda Salres revelou que até ao momento foram reportados pelas instituições 165 casos de profissionais de saúde infetados, sendo 82 médicos e 37 enfermeiros, o que representa 8% dos 2060 casos confirmados até esta segunda-feira. Miguel Guimarães adiantou ao i que há casos de médicos internados, alguns a necessitar de cuidados intensivos.

Quantos testes estão a ser feitos no país? Na conferência de imprensa diária, António Lacerda Sales revelou que o país tem neste momento capacidade para a realização diária de 4000 testes, 2500 no público (além dos hospitais, e depois do drive-through no Porto, ontem abriram dois novos locais de teste em Lisboa, no Lumiar e no Parque das Nações) e 1500 no privado, depois de na sexta-feira o Governo ter referido capacidade para 9000 testes. Existe ainda uma reserva de 20 mil testes, disse. No entanto, não tem havido até ao momento um balanço de quantos testes estão a ser feitos em todo no país, informação que tem sido usada em comparações internacionais, crescendo a convicção de que os países que fazem mais testes e identificam mais casos têm conseguido controlar melhor a epidemia, como é o caso da Coreia do Sul ou Alemanha. Por exemplo Espanha, onde tem havido críticas à falta de testes, anunciou ontem a chegada de 640 mil testes e até ao momento terão sido testadas mais de 350 mil pessoas, depois de nas primeiras semanas terem sido testadas apenas 30 mil pessoas.

Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, explica que a informação disponível obtém-se a partir dos boletins da DGS, subtraindo, a cada dia, do total de casos suspeitos os novos casos confirmados e os que aguardam resultados, o que tem andado na casa dos 1000 a 2000 testes. Não existe informação sobre se os testes feitos no privado estão a ser contabilizados ou se são apenas registados os que dão positivo, cujo reporte à DGS é obrigatório por lei. Ricardo Mexia diz também que continuam a ser relatados casos validados como suspeitos pela Linha de Apoio ao Médico mas em que não é feito o teste, não existindo também informação sobre se entram para o total de casos confirmados. O médico sublinha que o reforço dos testes no país mas também a mensagem que se transmite à população sobre a importância do distanciamento social, para evitar situações como a afluência nas marginais no passado fim de semana, devem ser das principais preocupações.

 

Entrada de emigrantes e viagens no interior causam apreensão

Autarquias têm estado a pedir quarentena a quem chega. 

O relato tem-se repetido em vários pontos do país: nos últimos dias são muitos os emigrantes de regresso a Portugal e nem todos estão a seguir a recomendação de manterem distanciamento social. O presidente da Câmara Municipal de Boticas denunciou ontem que o concelho tem recebido não só emigrantes, mas pessoas de concelhos vizinhos que continuam a fazer passeios. “Eu tenho gente que veio de Lousada e do Porto, que mais parece que vieram passar férias: fecharam os trabalhos, fecharam as escolas e vieram de férias mais cedo. E é isto que me está a preocupar, porque andam pura e simplesmente a espanar-se aí pelas aldeias”, disse Fernando Queiroga.