O rápido agravamento da epidemia de coronavírus em Portugal justifica que se adoptem medidas urgentes para proteger os doentes já infectados e evitar novas contaminações. Na verdade, é preciso não esquecer a experiência da pneumónica, também denominada gripe espanhola, que entre 1918 e 1920 dizimou dezenas de milhares de pessoas no nosso país. A pneumónica foi um verdadeiro flagelo, vitimando pessoas de todos os estratos sociais, incluindo duas das crianças videntes de Fátima. Se não forem tomadas as medidas adequadas, o coronavírus pode tornar-se igualmente um grave problema de saúde pública.
Neste momento, a situação mais grave ocorre no norte do país, onde já se começam a tomar medidas como o encerramento de todos os estabelecimentos escolares e a suspensão de actividade dos estabelecimentos de lazer e de utilização pública, como ginásios, piscinas, cinemas e bibliotecas, e até a restrição de deslocações para alguns concelhos. Mas o Governo já admite adoptar medidas mais gravosas, como o fecho de fronteiras e a imposição de quarentenas forçadas.
O fecho de fronteiras é claramente admissível, encontrando-se expressamente previsto na Base 35 da Lei de Bases da Saúde, a lei 95/2019, de 4 de Setembro. Já a imposição de quarentena forçada coloca problemas constitucionais, dado que o art.o 27.o, n.o 3, h) da Constituição apenas admite o internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente. O Governo tem invocado, no entanto, a Base 34 da Lei de Bases da Saúde, a lei 95/2019, de 4 de Setembro, cujo n.o 2, b) atribui à autoridade de saúde a possibilidade de “desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a pessoas que, de outro modo, constituam perigo para a saúde pública”. Para além disso, o n.o 3 dessa mesma Base 34 permite à ministra da Saúde, em situação de emergência de saúde pública, adoptar as “medidas de exceção indispensáveis, se necessário mobilizando a intervenção das entidades privadas, do setor social e de outros serviços e entidades do Estado”.
Que estamos numa situação de emergência de saúde pública, parece neste momento evidente. A dúvida que se coloca é saber se, ao abrigo desta disposição, tem a ministra da Saúde a possibilidade de decretar medidas extremas como as que foram adoptadas na China e na Itália, colocando em quarentena obrigatória diversas cidades desses países. Na verdade, o art.o 44.o da Constituição garante a todos o direito de se deslocarem livremente dentro do território nacional, sendo por isso também de duvidosa constitucionalidade o decretamento de quarentenas forçadas a cidades inteiras, especialmente se a maioria da sua população não estiver infectada.
O coronavírus, podendo vir a ser um grave problema de saúde pública, coloca também sérios problemas de ordem constitucional. Vamos ver como vão ser resolvidos.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990