Notas soltas de um país nervoso e à beira-mar plantado


A paranoia do Covid-19 está, por enquanto, mais na economia e no dinheiro do que na saúde.


1. Não se pode desvalorizar o efeito do Covid-19. É já uma preocupação transcontinental, mas evita-se a palavra pandemia, optando-se por epidemia. A multiplicação da infeção pelo vírus é preocupante, mas não justificava manchetes a falar de 1 milhão de infetados potenciais só em Portugal, citando-se cenários. Terá sido uma imprudência verbal da diretora-geral da Saúde, mas também uma irresponsabilidade editorial do tipo tabloide inglês do semanário que a publicou. Até ver, muito mais prolixa que a do vírus foi a multiplicação da infeção na economia global, provando novamente que ela é uma ciência humana, sujeita fundamentalmente a variações comportamentais. A paranoia está mais na economia do que na saúde. Como esperado, o Covid-19 chegou a Portugal e a sua presença foi detetada formalmente na segunda-feira. O que vai contar doravante é a efetiva capacidade das autoridades de saúde e do Governo para desenvolverem ações concretas de tratamento e prevenção e os apoios objetivos às empresas que vejam a sua atividade restringida. Há que garantir que efetivamente haverá as mesmas condições de proteção para públicos e privados, sejam empresas ou trabalhadores. É preciso ter em conta que são os privados que têm alavancado o crescimento português com base nas exportações, nomeadamente o turismo e a vinda de congressos que alimentam uma vasta quantidade de setores que vão da aviação aos tuk-tuks. São, portanto, as empresas deste setor que devem ser protegidas urgentemente. É preciso que o Estado não falhe no apoio a quem mais contribuiu para tirar Portugal do marasmo, até para estarmos preparados para a retoma que há de vir.

2. A construção do aeroporto do Montijo é um rol de problemas. A partir de hoje, António Costa vai ter de pôr as mãos na massa para resolver um problema que o seu Governo e o PS deixaram andar com desleixo, ao ponto de Pedro Marques (entretanto brindado com uma cadeira de sonho em Bruxelas) ter sido ministro quatro anos, mantendo uma lei que absurdamente previa que todos os municípios afetados pelo aeroporto deveriam dar um parecer positivo, o que não acontece em dois casos. Para não variar nas coisas surrealistas do país, a lei foi feita no tempo de Sócrates. Eventualmente, podia ter subjacente uma troca qualquer entre o poder central e o poder local daquela zona. Resta saber o quê. Outra hipótese seria a de que quem meteu na lei tamanho absurdo não quisesse, afinal, que o aeroporto fosse feito. Já nada espanta em Portugal, desde que juízes de tribunais superiores são obrigados a demitir-se ou constituídos arguidos. Razão têm os que acham que é a Costa que compete descalçar a bota do Montijo porque não se pode fazer leis à medida da vontade de cada um. Embora, se fôssemos ver em pormenor, se calhar arranjavam-se alguns casos curiosos.

3. Por falar em descalçar botas, o PS tem de se livrar de mais duas. Uma é arranjar um substituto para Correia de Campos, que não conseguiu mais uma vez ser eleito para presidente do Conselho Económico Social. Correia de Campos tinha sido eleito para um primeiro mandato por apenas um voto a mais do que os dois terços necessários. Estava na cara que não voltava a conseguir o feito com a atual composição do Parlamento. Consequentemente, o PS mandou-o retirar-se. O mesmo, aliás, deveria fazer com Vitalino Canas, que não conseguiu ser eleito para o Tribunal Constitucional. Vitalino foi porta-voz de Sócrates e é próximo de António Vitorino. Porventura, a explicação para o veto andará por aí. Não basta ser, é preciso parecer. Está na hora de o PS de António Costa se deixar de arrogâncias e dialogar. A menos que ande a esticar a corda para arranjar uma crise política. Um cenário improvável, mas a não excluir liminarmente.

4. De forma discreta mas segura, a Universidade de Coimbra está a multiplicar os seus contactos no mundo e a aumentar o seu reconhecimento internacional. É um caminho que foi traçado pela nova reitoria e que tem sido concretizado no terreno. Europa, Brasil, África, China e Índia têm sido zonas onde se têm firmado acordos de intercâmbio com grandes instituições. A Universidade de Coimbra (UC) está a voltar a ter a projeção que merece, a deixar de ser tímida e introvertida na sua afirmação internacional. A bem dela própria, da cidade onde tem sede, de Portugal e da lusofonia. O caminho faz-se caminhando e a UC está a dar passos importantes, precisamente na altura em que comemora 730 anos de existência, que se cumpriram no passado domingo, dia 1 de março.

5. João Simeão é uma pessoa que só alguns conhecem. Mas é um herói. Ao longo de anos tem denunciado desassombradamente a teia que vampirizou o Montepio. Escreveu, manifestou-se, e tentaram manietá-lo. Mas nunca se calou ou pousou a caneta. Há gente assim. Infelizmente, cada vez menos. A situação no grupo Montepio é complicada, mas sem Simeão e mais uns poucos seria bem pior. Oxalá ainda se vá a tempo de evitar mais um colapso de uma grande estrutura das finanças e da economia nacionais. As contas da mutualista são apresentadas proximamente e não se esperam boas notícias.

6. Estreou-se um novo programa de Ricardo Araújo Pereira. É novamente na SIC. Tem graça, é bem feito e inteligente, mas é mais do mesmo. Qualquer dia cansa!

Escreve à quarta-feira