“O cartoon em questão é um insulto à memória de judeus e não judeus assassinados pelos nazis”
Esther Mucznik. Vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa e estudiosa de temas judaicos
Como vê as críticas que Vasco Gargalo fez à atuação do Estado israelita?
Não se trata de críticas, mas sim de calúnias. As críticas são naturais e, por vezes, mesmo necessárias. As calúnias são processos de intenção, acusações falsas motivadas pelo ódio ou por uma ideologia radical. O cartoon desse senhor quer fazer passar a ideia de que a política de Israel se assemelha à política de extermínio nazi e essa tentativa de analogia só pode ser motivada ou pela cegueira ideológica, ou pela total ignorância da realidade israelo-palestiniana, ou por um antissemitismo virulento. Na minha opinião, o cartoon contém as três componentes.
Sente que as comparações com o Holocausto foram exageradas?
As comparações com o Holocausto não são exageradas, são totalmente falsas. Por muitos erros que Israel cometa, o seu objetivo nunca foi o extermínio do povo palestiniano, contrariamente ao nazismo, cujo objetivo declarado, e em parte conseguido, era o desaparecimento do povo judeu da face da Terra. Será preciso lembrar que dois terços dos judeus europeus foram assassinados, em grande parte nas câmaras de gás e fornos crematórios que o senhor Gargalo evoca com uma leviandade e ligeireza chocantes. O cartoon em questão é, em primeiro lugar, um insulto à memória de judeus e não judeus assassinados pelos nazis…
Depois de fazer um cartoon considerado antissemita, vai ser retirado um prémio ao cartoonista Vasco Gargalo. Qual é a sua opinião sobre a retirada de prémios a estas pessoas?
O prémio que ele recebeu não tem nada a ver com este cartoon, e que lhe tirem o prémio ou não, o mal está feito. Por isso, para mim, é indiferente… Aliás, a retirada do prémio leva a que a discussão se desvie do essencial, que é o cartoon em si mesmo e aquilo que representa, para se tornar um debate acerca da retirada do prémio – questão, neste caso, totalmente secundária.
Haver alguns temas proibidos à partida não é, por si só, a negação da liberdade?
Sou favorável à liberdade de expressão e o sr. Gargalo tem todo o direito à sua, mas não se deve queixar nem espantar que os outros também a tenham para o criticar, marginalizar ou desrespeitar. Tudo na vida tem as suas consequências…
“Até compreenderia que tivessem feito um cartoon semelhante com o PCP que defende a Coreia do Norte”
João Maria Condeixa. Ex-dirigente nacional do CDS-PP
Como vê as críticas que Cristina Sampaio fez ao seu partido?
Acima de tudo, acho que foram injustas. Não são as posições infelizes de um dirigente que definem um partido, muito menos um partido como o CDS, que tem um percurso sólido, de 44 anos, de combate e denúncia de toda a espécie de totalitarismo ou de ditadura. Se a cartoonista tivesse feito algo semelhante sobre o PCP, que há anos defende a Coreia do Norte e reescreve exemplos infelizes da História, até compreenderia, mas a verdade é que é raro haver quem estranhe ou critique essas posições quando são à esquerda. Infelizmente, há dois pesos e duas medidas.
Sente que as comparações com o nazismo foram exageradas?
Manifestamente exageradas. Mas o exagero é uma arma que o humor tem para explorar vulnerabilidades. E tanto que era uma vulnerabilidade que essa pessoa [Abel Matos Santos] saiu da direção do partido. Mas há um risco neste tipo de generalizações: sempre que se apelida alguém ou um partido de fascista, nazi ou de extrema-direita de forma infundada, vamos relativizando os termos. E aí acontece-nos como ao pastor com o lobo: quando uma destas tendências despontar no panorama português, ninguém acreditará.
Haver alguns temas proibidos à partida não é, por si só, a negação da liberdade de expressão?
Não concebo terrenos proibidos para o humor. Não acredito que tenha limites. Acredito que possa ser polémico. Acredito que possa ser injusto. Acredito que possa ser ofensivo. Acredito que possa ser exagerado e até acredito que possa não ter graça. E, ainda assim, ser humor. Não para mim, mas para outros. O humor tem é de saber que se pode encontrar com o contraditório e a crítica, como de resto acontece com qualquer outra forma de expressão.
Considera na sua opinião que quem passa dos limites do aceitável deve ser punido? Se sim, de que forma?
Vejo o humor como uma arma poderosíssima e por isso acredito que o humor só com humor se paga e é bem desconstruído nos seus argumentos. Mas, no limite, se alguém quiser e se sentir lesado, pode sempre recorrer aos tribunais. É para arbitrar que existe a justiça. E o humor, ainda que não tenha limites, também obedece às regras de um normal exercício de liberdade. Senão, teríamos a ditadura do humor. E a pior coisa que deve haver é um ditador com graça!