Deve ser isto o fundo do poço. Por mais estrelas que a Academia do Cinema norte-americano consiga reunir, não foi isso o que a salvou de se afundar ainda mais na sarjeta das audiências. Na noite de domingo, apenas 23,6 milhões de pessoas se mantiveram nas trincheiras, resistindo às sucessivas vagas de anúncios. Ao todo foram mais de 40 minutos debaixo do fogo dos anunciantes, o suficiente para deixar derreado qualquer soldado que não tenha aquela capacidade de praticar a sesta com cronómetro.
Um tombo de 20% significou o mais baixo registo desde que há estatísticas sobre as movimentações na linha das audiências. Nunca antes os números tinham sido tão maus para a cerimónia dos Óscares. É uma desmobilização que nos diz que o público televisivo está suficientemente mimado para não aceitar mais os exageros da vendilhonice. E se no próximo ano se registar uma queda da mesma magnitude já só nos restará à metáfora da queda livre.
Depois de uma recuperação no ano passado, a estação televisiva ABC e a Academia decidiram tentar pela segunda vez o registo solto, sem um anfitrião, depositando a confiança num sortido de estrelas. Além de uma boa dose de superstição, a ideia terá sido tentar espevitar a curiosidade em relação ao alinhamento. Foi um fazer figas e esperar pelo melhor. Mas se a expectativa em relação à forma como resultaria a emenda em 2019 ajudou a gerar alguma curiosidade – isto depois de a Academia não ter conseguido arranjar um substituto para Kevin Hart, após uma requentada polémica relacionada com piadas homofóbicas feitas pelo comediante mais de uma década antes –, desta vez já não havia grande esperança num desastre. E se nem um bom desastre pode salvar o espectáculo, por mais que este se esforce por continuar, arrastando-se de ano para ano, os novos hábitos de consumo televisivo já não perdoam a falta de génio e de invenção, e os infindáveis cortes para fins publicitários.
Se houve algumas surpresas – a maior terá sido a inusitada e algo deslocada performance de Eminem, com o hit Lose Yourself, que lhe valeu o Óscar de melhor canção há 17 anos, a levar uma plateia mais digna de ópera a bater o pé e cabecear por outro motivo além do sono –, a cerimónia guiou-se quase sempre pelo registo mais previsível e aborrecido, uma espécie de Natal dos Hospitais com grandes valores de produção. De resto, até a aposta na diversidade, todo o benévolo panfletarismo da gala, tem levado a que cerimónia se torne cada vez mais num inferninho carregado de boas intenções, bons sentimentos, e banhado num idealismo xaroposo.
Há duas semanas, também a cerimónia dos Grammys bateu um recorde, tendo atingido o número mais baixo de audiências. Mas nesse caso o declínio cifrou-se em apenas 5%. Por agora, os críticos têm-se digladiado nos diagnósticos da doença – os pessimistas acenam com algo de terminal, enquanto os optimistas sugerem operações plásticas ou uma maquilhagem mais eficiente, desde logo, voltando a apostar num anfitrião para devolver a cerimónia a um bom porto. Num aspecto, contudo, a maioria dos diagnósticos parecem concordar: as audiências hoje habituadas aos serviços de streaming preferem esperar pelos resumos e versões compactas do dia seguinte, e a cerimónia, que este ano durou mais 15 minutos do que em 2019, vai ser forçada a enxotar as moscas publicitárias, de outro modo, por mais doce que seja o bolo, ninguém lhe vai querer tocar.