Digital de esquerda


Novos modelos são necessários para regular ética e juridicamente a evolução dos modelos económicos e empresariais.


Com o papel transformador que a revolução digital está a assumir nas nossas sociedades, os modelos de transição e de adoção das novas ferramentas implicam cada vez mais escolhas políticas e opções fortes. Um dos epítetos mais populares para designar aqueles que se dedicam a elaborar sobre a transformação progressista da sociedade usando as ferramentas indutoras da mudança económica, social e cultural é o de “intelectual de esquerda”. Hoje, quem quiser desempenhar essa função de reflexão e pensamento crítico tem de ter cada vez mais em conta o poder transformador da digitalização e da robotização. O novo intelectual de esquerda tem de ser também um “digital de esquerda”.

A revolução digital é tão imparável quanto formatável. Serão as escolhas políticas que determinarão não a intensidade, mas o propósito e a textura dos impactos tecnológicos na vida em sociedade. Escolhas políticas que exigirão conhecimento profundo das ferramentas e dos mecanismos da sociedade emergente e coragem para mudar práticas e ideias ultrapassadas e defender de forma dinâmica os valores primordiais da liberdade, da igualdade e da solidariedade.

São precisas visões lúcidas para abordar temas tão centrais como a organização do trabalho garantindo a portabilidade dos direitos por parte dos indivíduos ao longo da sua vida profissional ou como a definição dos modelos de educação e formação, em que a aprendizagem ao longo da vida terá um papel acrescido na garantia de acesso inclusivo aos bens e serviços tecnológicos, ao seu uso e controlo e à participação em plataformas abertas de informação e troca de conhecimento.

Novos modelos são necessários para regular ética e juridicamente a evolução dos modelos económicos e empresariais, combatendo as posições dominantes tendencialmente monopolistas e assegurando contribuições justas, em função da criação de valor, para o financiamento das funções soberanas do Estado, incluindo a sua dimensão social e a proteção contra os abusos no uso das tecnologias e dos dados.

Outro domínio em que o empenho reflexivo e prático dos “digitais de esquerda” é fundamental é a capacitação da sociedade para combater a desinformação, proteger a democracia, assegurar um justo equilíbrio entre a privacidade individual e a promoção do bem comum, garantir a segurança nas redes e no seu uso e assegurar a transparência e robustez jurídica e técnica do comércio eletrónico e da oferta e procura eletrónica de bens e serviços.

Nunca foi fácil, pelo que observei e pelo que fui lendo, a vida dos ditos intelectuais de esquerda, de que também tenho uma costela, vendo as suas visões do mundo permanentemente desafiadas pela evolução da realidade e do contexto.

O mesmo destino espera os digitais de esquerda. Um destino desafiante porque é no seu território de transformação e progresso que tudo, no plano dos valores e das dinâmicas sociais, pode acontecer com êxito ou falhar.

A acomodação e o entrincheiramento não constituem solução para responder aos anseios dos cidadãos e aos riscos de captura populista ou tecnocrática da revolução digital. Já o compromisso ativo com a mudança, defendendo os valores éticos e políticos duma sociedade progressista e digna, pode fazer toda a diferença.

 

Eurodeputado