A efervescência do Livre em torno da sua única deputada eleita para a Assembleia da República é uma expressão maior dos coletivos de imaturidade que pululam na sociedade portuguesa, com insistentes aparentes respostas fáceis para situações e problemas complexos. Como afirma Daniel Innerarity, “a principal ameaça à democracia não é a violência, nem a corrupção ou a ineficiência, mas a simplicidade. Na sua forma atual, a prática política constitui uma capitulação perante o complexo, em que a própria conceptualização da filosofia política não está à altura da complexidade social”.
É fácil responder à complexidade, segmentação e volatilidade das sociedades modernas, com respostas simples, mais ou menos populares, mais ou menos populistas e mais ou menos pragmáticas para servir objetivos imediatos ou de curto prazo. Escolher uma candidata com um determinado perfil para mobilizar determinados setores eleitorais, decidir politicamente num determinado sentido sem cuidar de efetivamente reforçar os serviços existentes ou anunciar determinados projetos sem ter garantias técnicas ou processuais da sua concretização. São múltiplos os exemplos políticos em que as respostas simples, emotivas, populares ou populistas, são enunciadas como resposta a situações complexas. Complexas em si, pela sua natureza, pela sua envolvente e pelas circunstâncias dos processos de materialização do enunciado.
No Livre, a alegada lufada de ar fresco de uma deputada eleita, coisa que Rui Tavares nunca alcançara de modo próprio, gerou uma euforia de oportunidade em que a ganância de mediatismo e de recursos para alimentar o projeto, trouxe à evidência a impreparação para o exercício, degenerando por inconsistência num lamentável exercício de imaturidade política em que a forma se sobrepôs à relevância dos conteúdos políticos. A lufada de ar fresco deu lugar a um penoso exercício de um coletivo de imaturidade. Toda a gente sabe ou deveria saber, que retirar a confiança política em qualquer situação é o prenúncio da rutura total, depois desse impulso, não resta mais nada. O visado fica sem condições para o exercício político com mandato em representação do partido por que foi eleito, mantendo apenas o vínculo com o eleitorado, persistindo a dúvida sobre as percentagens de motivação para o sentido de voto, a personalidade ou o partido. O coletivo imaturo resolveu gangrenar a situação, sublinhou-a no Congresso e não a resolveu. Vai perdurar e a resposta simples – retirada da confiança política – só pode acabar mal para todos os intervenientes.
A situação do Livre, que prenuncia outras inconsistências vigentes, nos partidos tradicionais e nas novidades políticas das últimas legislativas, deveria ser um aviso para que não se persista em respostas simples, ideológicas, de negócio com ex-parceiros de solução política híbrida, sem cuidar da sua adequação à realidade, sustentabilidade e consistência para perdurarem como respostas assente no interesse comum. Mas, não. Por exemplo, a complexidade dos desafios do Serviço Nacional de Saúde e do acesso aos cuidados de saúde em todo o território nacional, não se resolvem sem mais organização, melhor gestão, mais recursos financeiros e humanos colocados ao dispor de quem gere e a sua responsabilização pelo exercício e pelos resultados. Querer reconstruir a casa pelo telhado, com respostas fáceis como o fim das PPP, quando o SNS ainda está ligado à máquina, é embarcar num populismo fácil na órbita dos coletivos de imaturidade. É como apresentar grandes projetos, datados, sem ter garantias de que existe competência técnica e processual para os concretizar os projetos no tempo necessário e previsto.
O sistema está demasiado debilitado para se persistir em enunciar concretizações futuras, enquanto se descalçam os pilares públicos e privados existentes, sem ter garantias de competência para a materialização em tempo útil. Sabemos que sem as PPP não teria havido Braga, Cascais, Vila Franca de Xira e Loures no tempo que foram concretizados e, no caso de Vila Franca de Xira, com evidentes melhorias no acesso aos cuidados de saúde pelos cidadãos da região envolvente. Teremos agora a oportunidade de avaliar a capacidade de concretização nos projetos existentes e nos ambicionados, onde pontuam a Madeira Central, o Alentejo Central, o Seixal, o Público-Público de Sintra construído pela Câmara Municipal e a PPP do Lisboa Oriental.
Com as realidades partidárias cada vez mais previsíveis, as circunstâncias políticas nacionais condicionadas pelo início de legislatura e fim de mandato presidencial e a conjuntura internacional com sinais de tensão e de instabilidade, persistir no exercitar de respostas simples para problemas complexos, a pensar apenas no dia de hoje e no de amanhã, será uma catástrofe a médio prazo. Trata-se da tradicional atitude do exercício político de turno, responde ao presente, mas não constrói o futuro.
Porque prolifera a imaturidade, a inconsistência e a efervescência, fazer e fazer com sentido de futuro tornou-se num pesadelo, em choque com o imediatismo político, com a volatilidade da vontade do Estado, com as burocracias e os pequenos poderes de bloqueio, com os processos obsoletos e com as garantias cívicas e judiciais de obstrução.
Fazer e fazer com sentido de futuro, num contexto de dispersão dos coletivos de imaturidade, tornou-se num exercício de alto risco, só contornável pela integração acéfala e acrítica na onda dominante. Mais de quatro décadas depois da consolidação democrática, andamos nisto. Demasiadas respostas fáceis para problemas e desafios complexos.
NOTAS FINAIS
COLETIVO DE NEGÓCIO // As plataformas eletrónicas de compras e da contratação pública são um negócio vergonhoso. O Estado devia ser o garante da transparência, do rigor e do escrutínio concessionou todos esses exercícios a empresas que fazem negócios em abuso de posição dominante. Proliferam as plataformas, paga-se para a inscrição, paga-se por selos para responder aos concursos, paga-se muito e a qualidade do serviço é escassa. Num tempo de derivas de renacionalização não se compreende que um serviço tão bem remunerado pelas empresas, ao ponto de existirem várias soluções e de cada entidade pública escolher uma diferente, sem critério, não se compreende como é que esta função não regressa à órbita do Estado.
COLETIVO DIVIDIDO // Tínhamos o PCP dividido sobre se mantinha as convergências com o PS, depois das fustigações eleitorais autárquicas e nacionais, agora temos o PSD e o Livre divididos ao meio em processos internos. Quem nasce virado para a Lua, tem mais vidas que os gatos.
COLETIVO DE RESULTADOS // Espantosa a prestação da Seleção Nacional de Andebol no campeonato europeu em resultado do trabalho dos clubes e da Federação Portuguesa de Andebol, liderada pelo Miguel Laranjeiro. Quem sabe não esquece. Aconteça o que acontecer, parabéns pelo trabalho, a atitude e os resultados já obtidos!
Escreve à segunda-feira