Cada novo ano transporta consigo toda uma renovada expectativa e esperança de fazermos o que ainda não foi feito, de conseguirmos o que ainda não realizámos e de impulsionar as transformações positivas que respondam aos desafios individuais e comunitários. É claro que há sempre as utopias da paz no mundo, da riqueza súbita, da felicidade estonteante ou de outros patamares de delírio, desfasados das realidades do quotidiano. Na dúvida perante as euforias, acabamos por nos resignar ao desejo de saúde como patamar de partida para outros impulsos nos 365 dias que dão entrada.
Agora que temos excedente orçamental e pródigas indigências em serviços públicos básicos para os portugueses, reerguem-se do chão uma voragem de disparates, com várias expressões ao longo do ano, mas a merecerem uma resolução dos protagonistas e das instituições do género: vamos deixar de dizer ou fazer disparates.
Sem noção do sentido de oportunidade, em plena cheia no Baixo Mondego, o ministro do Ambiente resolveu defender que “paulatinamente, as aldeias vão ter que ir pensando em mudar de sítio”, apontado dois meses para a reparação dos diques do Mondego destruídos. É o mesmo titular da pasta que, em mais de dois anos, não conseguiu concretizar uma solução para a rutura do dique dos Mouchões da Póvoa, em pleno Rio Tejo, sendo, a sua inação e dos serviços tutelados, responsáveis pela destruição de um ecossistema especial. Quem fala demais, tende a saturar e a acertar pouco. Sempre quero ver se a ambição transformadora tem coerência que baste para defender mudanças de povoações das zonas ribeirinhas do Douro no Porto ou se o ardente desejo de candidatura à autarquia portuense se sobrepõe ao ardor das adaptações climáticas e afins, projetando-as para os territórios alheios.
Sem noção do tempo que vivemos, depois de milhões de euros dos contribuintes injetados e a injetar no sistema bancário, de exorbitantes acréscimos de comissões bancárias, degradação dos serviços e redução da presença no território, soube-se que uma instituição bancária esteve a pagar 2.000 mil euros por mês à mulher do presidente do banco, por conta do apoio emocional de estabilização prestado para o exercício de funções do marido. Esta gente não se toca, não muda o chip do comportamento para um tempo de maior escrutínio (que ainda é pouco) e conta com a cobertura pachorrenta de quem tem obrigação de regular, de fiscalizar e de julgar. Quase em simultâneo soube-se que a banca, Novo Banco e Caixa Agrícola, perdoou 70% dos créditos do líder na produção de cogumelos em Portugal, em mais uma reincidência de perdão de dívida a grandes devedores. Não aprenderam, nem aprendem a atestar pela insistência de oferta de crédito para consumo em rota de convergência para o Natal e para o Fim de Ano. Depois, pagam os contribuintes.
Sem noção da construção da casa pelo telhado, parece que a Fertagus, cujo contrato de concessão está para ser prolongado, vai concretizar a supressão de mais lugares sentados nos comboios para albergar o aumento da procura devido à redução dos preços dos passes (positivo!). Haverá na colocação de lugares sentados uma lógica de conforto e uma dimensão de segurança no transporte dos passageiros. Imagine-se que um maduro proprietário de veículo automóvel, para acolher o nascimento de mais um filho ou um pedido de boleia de algum amigo, resolvia suprimir bancos do meio de transporte que, de individual, assumia uma dimensão de coletivo. Dava disparate e multa. Seria uma catástrofe do ponto de vista da segurança rodoviária em caso de acidente. É o que o Estado português está a permitir que aconteça: aumentar a oferta de lugares em pé e multiplicar o risco para a segurança das pessoas em caso de acidente. Não se vê na Europa, mas acontece em África e na Ásia.
Os sinais evidenciam que 2020 vai ser um ano em que a insustentabilidade das ações e das omissões vai determinar mudanças de paradigmas e de comportamentos. O Presidente da República, no seu incansável frenesim sem critério, já o sinalizou num artigo publicado num órgão de comunicação social, o primeiro-ministro sublinhou-o ao enunciar a importância da aposta na saúde e a realidade interpela-nos todos os dias. Não é possível persistir em empurrar com a barriga um amplo conjunto de questões, de problemas e de expectativas, quando de reincide numa narrativa comunicacional de grandes conquistas orçamentais e de excedentes na gestão dos dinheiros públicos.
O novo ano trará menor tolerância com a inconsistência e insustentabilidade das opções políticas, mantendo-se sérios riscos de derivas determinadas pela ausência de um quadro parlamentar de apoio ao governo, depois da não conquista da maioria absoluta por António Costa.
O novo ano transporta um conjunto de riscos nacionais e internacionais de variantes que não estão na órbita da governação nacional, com evidentes possibilidades de impactos negativos no quadro de referência do nosso quotidiano, em especial, do que vivemos nos últimos quatro anos.
No meio de efervescentes manifestações de disparate em vários quadrantes, Portugal tem quem possa agir na linha justa para repor o senso, a responsabilidade e o respeito pelo interesse comum e por quem trabalha. A começar, por cada um de nós, nas suas esferas de intervenção.
A todos um Bom Ano Novo!
NOTAS FINAIS
Chapéus há muitos. A mediatização é o seguro de vida de muita gente. Há os cronistas que para garantirem que continuarão a dizer como se faz, sem nunca terem feito ou fazerem, escolhem personalidades para a década, num misto de lambebotismo e mais do mesmo de quem sempre quem fez parte da pseudo-elite lisboeta que se move nos corredores do poder e na sua órbita. No âmbito da sua interpretação de liberdade de expressão, os humoristas da Porta do Fundo reincidiram num sketch de Natal em torno de Jesus, que voltou a gerar polémica e retaliação criminosa. Aguarda-se um ou vários especiais sobre Bolsonaro. Isso é que exige criatividade e coragem, tanto mais que agora terá batido com a cabeça em qualquer lado. Mais do mesmo é sempre fácil e com risco de ser entediante.
Salta a rolha. O líder do PAN quer saber quem são os políticos que são da Maçonaria, não podia começar por elucidar a nação quem são os militantes do seu partido e quiçá deputados que são membros do IRA-Intervenção e Resgate Animal. É que esses são que, sobre a capa da promoção de causas nobres, têm notoriedade por atuar à margem da legalidade. Pelo exemplo, talvez lá fosse, em vez de querer impor os gostos e as visões pessoais à comunidade e às esferas de liberdade de cada cidadão. Uma espécie de Tomás de Torquemada dos gostos individuais.
Escreve à segunda-feira