Governo Costa: quando o que parece não é


Parecendo mais forte, este Governo é mais fraco que o anterior e deve ter cuidado porque o exagero de demagogia pode sair-lhe caro. Nem sempre, na política, o que parece é…


1. Com papas e bolos se enganam os tolos. Um dia, porém, os tolos podem zangar-se e o barco vira. António Costa deveria ter essa noção, mas não a tem ou não quer saber. Vem isto a propósito do suposto pacote de reforço para a saúde de 800 milhões de euros que o Governo anunciou, depois de um Conselho de Ministros extraordinário. Tudo não passou de uma operação mediática. Não há nada de substancialmente novo, nem qualquer reforço. Nem nas contratações, nem nas verbas. O que se fez foi pura e simplesmente acrescentar dinheiro para pagar uma dívida que é colossal. Da quantia total, 500 milhões são para pagar dívidas que somam precisamente o dobro. Nada vai mudar no Serviço Nacional de Saúde, que está a colapsar e assim vai continuar. Costa fez um estardalhaço público para criar uma ilusão mediática e entalar o Bloco e o PCP, retirando-lhes capacidade de argumentação para votarem contra o Orçamento do Estado. Assistimos à política no esplendor da demagogia, que é condicionar a opinião pública pela intoxicação e limitar a autonomia dos seus parceiros com ilusionismo mediático. Costa foi audacioso e ganhou porque, aparentemente, domesticou comunistas e bloquistas com um passe de mágica. Veremos se mordem o isco.

Provavelmente, as coisas vão continuar assim por algum tempo, com uma geringonça informal. Só mudarão se os portugueses se fartarem, ao estilo do que se passou em França com os coletes amarelos. Ou, então, porque todos os partidos se juntam no Parlamento, num momento fundamental, e derrubam o Governo, colocando a criança nos braços do Presidente Marcelo.

Apesar das suas bravatas, António Costa é hoje um primeiro-ministro mais fraco do que foi na legislatura anterior. O PS tornou-se o maior partido nacional, ganhou votos e assentos nas legislativas. Mas foi uma vitória pífia. Agora, não tem o respaldo de um acordo assinado em papel com o Bloco e o PCP. É verdade que há outras geometrias parlamentares possíveis, mas está tudo preso por arames. Marcelo não exigiu qualquer acordo formal e não amarrou a esquerda ao pacto de estabilidade que Cavaco exigiu, criando a geringonça antes de dar luz verde ao Executivo.

Em política, às vezes, o que parece não é. O Governo atual pode parecer mais forte que o anterior mas, na realidade, é mais fraco. Tem menos estabilidade política e não conta com o beneplácito sindical que lhe evitou movimentos grevistas permanentes em anos anteriores.

Tão ou mais grave do que a potencial hostilidade da rua e das oposições parlamentares, há o indiscutível mal-estar entre Costa e Centeno. O verniz estalou e deu peixeirada pública em reunião da União Europeia. Há quem culpe Costa, mas talvez não seja inteiramente justo. Centeno está doido para sair. Ele sabe melhor que ninguém a bomba-relógio que criou e não deseja minimamente estar no Terreiro do Paço quando tiver de tomar medidas corretivas para resolver os problemas que gerou ao asfixiar completamente o país em todas as áreas públicas para ter contas bonitas. Ele sabe melhor que ninguém que não tem dinheiro para repor o mínimo de qualidade nas funções do Estado. Daí a enorme vontade de dar às de Vila Diogo. O Orçamento que apresentou é um exercício de estilo. Se Centeno ficar, a execução será feita como ele entender, pondo e dispondo. Se for embora, o seu sucessor não tem hipóteses de o cumprir.

2. O resultado das eleições no Reino Unido foi elucidativo. Provou que Boris Johnson é um político temivelmente inteligente e que Jeremy Corbin é um idiota chapado, colocado fora do tempo. O Reino Unido vai sair de onde nunca chegou a entrar. Provou-se que De Gaulle tinha razão ao não o querer dentro da então CEE, agora UE. O muito que a Europa continental e ex-ocidental deve aos britânicos não implicava a entrada na comunidade. A Escócia e a Irlanda do Norte poderão forçar o caminho da independência, embora não seja um processo linear. Londres certamente colocará entraves formais a um novo referendo para os escoceses, que no primeiro optaram por se manter no Reino Unido, ainda que por margem curta. Os danos da saída são incalculáveis, mas a UE terá de ser dura pelo menos num aspeto: é que os britânicos vão ter de pagar a parte que lhes toca em tudo o que está decidido. Não seria justo que fossem 27 a pagar aquilo que 28 decidiram.

3. No Montepio, tudo na mesma. Tomás Correia já não está, mas vai estando. Virgílio Lima sucedeu-lhe agora na associação mutualista. A sucessão deveria ter passado por eleições efetivamente democráticas e muito mais participadas do que têm sido. A instituição está num caos. As vozes discordantes não são ouvidas, nem dentro nem fora, por quem tem responsabilidades políticas e reguladoras. Um dia, a casa vem abaixo e depois dirão que estava na cara o que ia acontecer. Lembram-se do BES/GES, do Banif, da Caixa Faialense e do BPP? Sim? Então? Ainda se vai a tempo de evitar mais um caso.

4. Na semana passada apontou-se aqui o caos no trânsito da Praça de Espanha, em Lisboa. Mas há mais e pior: a confusão reinante na Praça de Londres. O dr. Medina esmerou-se ali. A praça faz lembrar Londres durante a ii Guerra Mundial por alturas do Blitz. Realmente é tempo de se começar a desenhar uma nova liderança para Lisboa. Assim, não dá. Sucedem-se problemas, más decisões, escandalosas construções, tudo com uma espécie de anestesia das oposições.

 

Escreve à quarta-feira