Maria Flor Pedroso demitiu-se da direção de informação da RTP e não deixa saudades. “Os jornalistas da RTP-TV, reunidos em plenário de Jornalistas, no dia 16 de dezembro de 2019, analisaram os factos ocorridos nas últimas semanas na redação da RTP-TV e decidiram: 1. Lamentar a violação dos deveres deontológicos dos jornalistas e de lealdade para com a redação por parte da diretora de informação demissionária, no decorrer da investigação do chamado ‘Caso ISCEM’”. No segundo ponto, o alvo é Cândida Pinto: “Lamentar a falta de explicações por parte da Diretora Adjunta Cândida Pinto – ausente deste plenário -, a quem é imputada conivência com a Diretora de Informação no decorrer da investigação do ‘Caso ISCEM’ – de acordo com a interpretação das Atas do Conselho de Redação”.
Mas os jornalistas reunidos em Lisboa, em grande número, “rejeitaram qualquer tentativa de ingerência externa nas decisões que competem exclusivamente aos jornalistas da RTP”. A dica é, obviamente, para os jornalistas de outros meios de comunicação social, entre os quais os diretores da SIC e da TVI, que fizeram um abaixo-assinado em defesa da honra de Flor Pedroso e se anteciparam a este plenário.
Durante a reunião foram várias as vozes que se levantaram contra o conselho de administração por a equipa de Gonçalo Reis ter feito um grande elogio a Flor Pedroso no comunicado de despedida: “O CA agradece a Maria Flor Pedroso, jornalista de idoneidade e currículo irrepreensível, o trabalho desenvolvido de forma dedicada, competente e séria enquanto Diretora de Informação”. Também o conselho geral independente, que nomeia o CA, não se viu livre de críticas. Alguns jornalistas acusam-nos de estarem calados há três meses, ao contrário do que se passou com o despedimento do anterior diretor de informação, Paulo Dentinho, por ter falado nas redes sociais de “homens que violam mulheres” mas que se livram porque são heróis nacionais. Na altura, Ronaldo estava a ser acusado de ter violado uma americana.
Porto com poucos jornalistas no plenário
Curiosamente, na delegação do Porto eram poucos os jornalistas atentos ao plenário, e as ligações também não ajudaram a uma maior participação. De notar que um dos jornalistas presentes deu conta de que o site Vox Pop, supostamente de um jornalista da RTP, anunciava, enquanto decorria o plenário, que o próximo diretor de informação será Carlos Daniel. A guerra da sucessão já está lançada.
Luís Miguel Loureiro, da equipa do Sexta às 9, quis deixar claro que “nunca tiveram a intenção de demitir a direção de informação”, mas sim lutar por melhores meios para fazer melhor investigação.
Mas o dia começou com a surpresa da atitude de Flor Pedroso ao ter colocado o lugar à disposição. Numa carta enviada ao CA, a agora diretora demissionária escreveu: “O projeto profissional a que esta direção se entregou, por mim liderada, nunca cedeu a motivação outra que não a da causa de uma informação livre, isenta, plural e independente”, disse a jornalista na carta enviada ao presidente do conselho de administração da RTP em que pôs o lugar à disposição, segundo noticiou a Lusa.
“Face à reiterada exposição pública de insinuações, mentiras e calúnias, à qual eu e a minha direção somos totalmente alheios, face aos danos reputacionais causados à RTP, considero não haver condições para a prossecução de um trabalho sério, respeitado e construtivo, como tentámos realizar ao longo deste ano de mandato”, sublinha Maria Flor Pedroso.
A diretora de informação cessante refere ainda que “a construção de realidades alternativas a partir de meias verdades, da qual se alimenta um certo tipo de jornalismo no qual não me revejo, é um dos problemas da sociedade atual que precisa de um jornalismo vigoroso e rigoroso, livre e independente, isento e plural para robustecer as sociedades democráticas”. Já a equipa de Gonçalo Reis optou por aceitar o pedido de demissão. “O Conselho de Administração (CA) da RTP recebeu uma comunicação da diretora de informação Maria Flor Pedroso a colocar o seu lugar à disposição, por esta considerar que, face aos danos reputacionais causados à RTP, não tem condições para a prossecução de um trabalho sério, respeitado e construtivo, como sempre tem feito”. Perante os motivos invocados por Flor Pedroso, “o CA considera que não tem outra alternativa que não seja aceitar essa decisão”.
Segundo o jornal online Observador, a restante equipa da direção também colocou o seu lugar à disposição do CA. Da direção apenas estiveram presentes no plenário Joana Garcia e Alexandre Brito, que se demarcaram de qualquer tentativa de boicote a qualquer reportagem.
Apesar de ser o caso mais mediático, a demissão de Maria Flor Pedroso está longe de ser única nos cargos de direção de informação da estação pública.
Recuamos a 2012, com a demissão de Nuno Santos. Naquela altura garantiu ter prestado “todos os esclarecimentos” sobre uma “hipotética entrega a entidades externas à RTP de imagens não exibidas [brutos] dos incidentes do passado dia 14 de novembro em frente ao Parlamento”. Garantiu que “nenhuma imagem saiu das instalações da RTP”, mas o processo abalou a relação de confiança com o conselho de administração e saiu.
Foi substituído por Paulo Ferreira, que não esteve mais de um ano no cargo. A saída foi menos polémica, até porque foi justificada pelo mesmo como uma “decisão pessoal”.
A RTP escolheu José Manuel Portugal para o substituir, mas este saiu do cargo dois anos depois devido a um processo de reorganização diretiva.
E antes de Maria Flor Pedroso foi Paulo Dentinho a assumir a direção de informação da RTP, e também esta saída está relacionada com questões polémicas, depois de Dentinho ter escrito um post no Facebook sobre violência sexual e que, alegadamente, visava Cristiano Ronaldo.