Temos uma saúde moribunda


Há sinais sistemáticos e permanentes de uma completa asfixia do Serviço Nacional de Saúde.


1. Na semana que passou, o Serviço Nacional de Saúde foi notícia, e não só pelas deficiências que se tornam crónicas, custam vidas e provocam sofrimento de toda a espécie aos doentes e familiares. Multiplicam-se casos de roturas cada vez mais graves e dramáticos, a todos os níveis. Mas surgiu um novo aspeto negativo. Tem a ver com a abordagem noticiosa feita por alguma comunicação social. A nova tendência é dizer em manchete ou no lead que o SNS dá prejuízo. Se há notícia absurda, é essa. O SNS não dá nem deixa de dar prejuízo, porque a vida e a saúde não têm preço. São o bem mais essencial de cada português. O que se passa no SNS é que está suborçamentado há muitos anos e, mais especialmente, desde que a troika aterrou, com as suas exigências radicais, para resolver o problema criado pelo PS de Sócrates. Já com os Governos Costa 1 e Costa 2, apoiados pela geringonça, as coisas não se modificaram, apesar de haver folga. Pela mão de Mário Centeno, a austeridade e o desinvestimento na saúde pública agravaram-se. Por muito que António Costa proclame o contrário, a degradação do SNS é uma evidência. Até pessoas com menos recursos contrataram seguros de saúde, com medo do que possa acontecer-lhes. Não há pior sinal. Simultaneamente, é triste ouvir, ler e ver os média a referirem prejuízos, uma palavra que deveria ser banida quando se trata da saúde e da vida. É verdade que o dinheiro não chega para tudo. Há que racionalizar custos. Evitar despesas inúteis e fazer melhor gestão dos meios humanos e materiais. Há ainda que pensar em melhor complementaridade entre sistemas públicos e privados e, eventualmente, alargar a ADSE a mais pessoas e até multiplicar as PPP, parcerias entre públicos e privados. Há soluções para melhorar o caos escandaloso em que estamos e que inevitavelmente fez que Portugal tenha deixado de ser referência positiva para se tornar um mau exemplo, quando comparado com os seus parceiros europeus. Estamos a ir para a cauda do grupo de forma inexorável. Na semana passada surgiram duas informações aterradoras: aumentou o número de mortes na natalidade e aumentou a mortalidade na gravidez, no parto e no pós-parto, fazendo-nos recuar para valores de 1980. Entretanto, subliminarmente vai-se introduzindo, politicamente, o tal conceito de prejuízo. Não é por acaso. Ainda ontem era manchete de um diário de referência o aumento de 180 milhões em gastos com medicamentos (substancialmente menos do que os custos da banca). Quanto mais se falar de prejuízo no SNS, mais alguns farão negócio e mais médicos, enfermeiros ou outros profissionais se disporão a abandonar o país, como se está a ver novamente.

O SNS foi fundado pelo PS de Mário Soares com o enorme contributo de António Arnaut. Mas a sua construção efetiva teve muito a ver também com o PSD e os seus Governos que conseguiram um equilíbrio entre os subsistemas e a medicina privada. Hoje há quem queira destruir esse meio-termo racional. Uns acabando com a parte pública, outros pondo termo à privada em termos de complementaridade. Mário Centeno não parece estar minimamente interessado no tema, nem para um lado nem para o outro. Limita-se a cativar para apresentar contas limpas, até porque está de malas aviadas e cansado da governação. Quer ir embora porque sabe o imbróglio que criou e as consequências que advirão em termos de desmantelamento dos serviços públicos, começando na saúde e passando por todos os setores essenciais. A coisa é de tal ordem que os portugueses chegam ao ponto de preferir o investimento público a aliviarem-lhes os impostos, segundo uma sondagem conhecida na segunda-feira. Claro que se deve descontar a circunstância de uma enorme quantidade da população não pagar impostos, criando uma tendência para responder a favor do reforço do investimento, o que não é óbvio que esteja considerado na amostra escolhida.

2. Vem aí o Orçamento do Estado versão 2020. Vai dar muito que falar. Mas há uma coisa que é certinha. Os pensionistas de classe média (os que recebem qualquer coisa como dois mil euros brutos) vão manter-se no escalão de ricos e não terão atualização. Ou seja, vão continuar a empobrecer mais um ano. Triste sina, porque é precisamente essa gente que mais contribuiu, mais trabalhou e mais se sacrificou. Nos outros países europeus, os seus equivalentes vivem confortavelmente. Cá são os eternos pagantes de tudo. Até ao dia em que se juntem e façam barulho a sério. Mas há que reconhecer que não é fácil mobilizar quem é excluído sistematicamente. Até porque a APRe está pouco ativa e a Murpi não se preocupa com a classe média. É mais um braço da geringonça 2.0.

3. Saiu mais uma estatística sobre a educação em Portugal. Somos fantásticos! Deve ser uma espécie de distorção ótica de quem vê de longe. Observada de perto, a nossa educação é caótica e geralmente má, pelo menos até à universidade. É um sistema em que no público ou no privado, a capacidade económica da família é determinante para o sucesso dos alunos. O ponto mais grave do sistema está, porém, nas crianças e jovens com necessidades especiais. Não há apoios que cheguem minimamente. Empurram-se os mais fracos para um degredo social que durará a vida toda. O problema é tratado com palavras, mas soluções e apoios não há, ou são pouco mais do que simbólicos.

4. O país e o mundo (como diria um apresentador pivô de televisão) transpiram espírito natalício por todos os poros. Em Lisboa, zelosos funcionários da EMEL trabalham para as broas com o diligente apoio da eficiente polícia municipal. E assim bloqueiam, rebocam e multam com redobrado empenho e zelo, agora até ao domingo, nas Avenidas Novas. Medina engorda o seu orçamento e parte é dividida em bens materiais para rebocar ainda mais, para novas sapatas bloqueadoras e reboques de última geração.

 

Escreve à quarta-feira