Morreu o ator José Lopes, aos 61 anos, na tenda em que vivia

Morreu o ator José Lopes, aos 61 anos, na tenda em que vivia


Foi encontrado dias depois. Vivia mal, muito só, e era visto tantas vezes pela Cinemateca, de boca acesa, viola às costas, fazendo amigos com a sua paixão pelo teatro geral


José Lopes foi encontrado morto na tenda onde vivia, nos arrabaldes de Sintra, junto a uma estação de comboios. As causas não são conhecidas, nem sequer o dia ou a hora exatas da sua morte. Aos 61 anos, o ator vivia com as maiores dificuldades, e a notícia de que um amigo deu com ele um par de dias depois de se ter finado circulou nas redes sociais, com as mensagens de pesar misturando-se com a prece a um deus-remorso. Alguns amigos pediam donativos para custear as cerimónias fúnebres e Rui Zink fez eco desse apelo, confessando o tal remorso: “Não escapa a muitos de nós que melhor teria sido tal ser feito em vida. Não o funeral, mas o donativo solidário, para viver. Para não ser enterrado em vida, precisamente.” Por sua vez, a atriz Carla Vasconcelos fez questão de frisar que a situação de miséria de José Lopes – “que não tinha para a vida e não tem para a morte” – põe a descoberto o desamparo de tantos artistas portugueses: “De facto temos que ser corajosos para ser artistas nesta merda a que chamamos país e ainda manda o politicamente correcto que nele haja orgulho”, rematou.

O ator teve muitos papéis no cinema e no teatro, sendo dirigido por encenadores como Luís Miguel Cintra e Rogério de Carvalho. Em declarações à SIC, o amigo do ator, António Alves Fernandes lembrou que se José Lopes foi aplaudido nos palcos de teatro e nas salas de cinema, enfrentou aquela “precariedade que afeta os verdadeiros artistas, os que não se vendem por ‘dá cá aquela palha’. Mesmo na doença e na “pobreza extrema”, recusava “com a altivez de um príncipe” os atos de caridade, e o que recebia distribuía por quem estivesse tão mal ou pior que ele.

Nesta hora, que homenagem nos aceitaria quem saiu tão furtivamente, tão de rastos pelos fundos do palco, sem incomodar minimamente a vida com a sua morte? Há aqueles versos de Herberto que talvez dobrem mudos e cheios de dignidade dentro da língua como sinos diante do tenebroso recolhimento com que se despediu José Lopes: “É enorme o ator com sua ossada de base,/ com suas tantas janelas,/ as ruas —/ o ator com a emotiva publicidade.”

O velório de José Lopes decorre esta quinta-feira, dia 11, na Igreja de São Cristóvão, Largo São Cristóvão, Mouraria das 17h às 23h. O funeral realizar-se-á na mesma Igreja na sexta-feira, às 15h, e partirá para o Cemitério da Ajuda.