Ambiente: a opinião pública já não aceita tudo


Em França houve dois casos recentes em que a mobilização pública acabou com dois megaprojetos que perturbavam o ambiente.


1. A sensibilidade às questões ambientais é hoje um fator essencial a ter em conta sempre que se lança um projeto de qualquer natureza. Os tempos mudam. As razões também, e agora sabemos com óbvia certeza que caminhamos para a extinção de boa parte da humanidade se persistirmos na rota atual de desenvolvimento, havendo que equilibrar situações entre o mundo rico (que já poluiu o que tinha a poluir) e o mundo em vias de desenvolvimento, que não abdica de formas de progresso desde que tragam mais riqueza e conforto aos seus povos. Há, é claro, equilíbrios que se vão tentando. A China faz um esforço grande para disciplinar ambientalmente o crescimento, enquanto a Índia pouco faz para evitar uma astronómica poluição. Os Estados Unidos, esses, têm preocupações internas em certos estados mas, externamente, Trump comporta-se como um selvagem.

Vem tudo isto a propósito de duas situações concretas ocorridas recentemente em França, onde dois enormes projetos foram abandonados por causa de questões ambientais e da reação hostil da opinião pública, dos especialistas na matéria e das organizações de defesa ambiental.

Sucede lá o que cá não acontece. Os dois casos franceses têm natureza diferente, mas tocam-se. Um tem a ver com o aeroporto de Notre-Dame-des-Landes, ao pé de Nantes, que foi contestado longos anos. Na decisão que pôs termo ao projeto, o Governo francês justificou que “este é o aeroporto da divisão, pelo que será abandonado”. Está tudo dito e, por cá, devia dar que pensar.

O outro projeto abandonado chamava-se EuropaCity, ia situar-se a 15 quilómetros de Paris e seria uma enorme zona comercial cheia de ofertas de lazer, uma espécie de réplica de zonas comerciais do Dubai. O problema é que se situaria em zona agrícola de alta qualidade e abastecedora de Paris. Ao justificar a decisão de acabar com a ideia, o Conselho de Defesa Ecológico de França fez saber que “já não se pode impor projetos que a opinião pública não considera do seu interesse”.

Estas decisões do Governo francês mostram a existência de uma nova sensibilidade que sobrepõe a sensibilidade da população ao interesse mercantilista, mesmo que traga empregos. Decisões semelhantes começam a multiplicar-se um pouco por todo o mundo desenvolvido, onde as questões ambientais são mais denunciadas e onde há mais força por parte dos ambientalistas e da economia responsável, seja nas obras pública, no desenvolvimento agrícola ou na indústria. Tudo com equilíbrio, sem extremismos e sem demagogia, usando os recursos naturais com parcimónia. Para retardar a inevitável catástrofe umas décadas, há que ir fazendo um caminho longo, mas que passa pela tomada de consciência das populações e por decisões dos poderes públicos, que não podem ceder sistematicamente.

2. Os chamados temas fraturantes sobrepuseram-se e enviesaram a definição do que é esquerda e do que é direita. Por uma das simplificações em que a nossa sociedade contemporânea e mediática é fértil, convencionou-se que tudo o que pressupõe pontos de vista profundamente diferentes serve de pretexto para dividir o universo humano entre esquerda e direita. A questão fica, assim, numa superficialidade inútil. Há temas de natureza pessoal e de consciência que de modo algum podem ser qualificados de forma tão primária. Há outros que, efetivamente, devem. Comecemos pelo mais evidente, pelo menos nas sociedades democráticas ocidentais judaico-cristãs: o racismo. Objetivamente, o racismo é definidor de uma dicotomia esquerda/direita. Quem for racista não pode ser de esquerda, nos dias de hoje, porque toda a esquerda apela precisamente a um conceito em que a cor da pele não pode ser motivo de diferenciação negativa. Atenção, porém, a situações diferentes, como a não atração por pessoas de cor diferente.

Já a xenofobia deve ser analisada de outra forma. Aqui, a esquerda e a direita podem confundir-se. Há xenófobos de todas as ideologias nos dois lados, assim como há religiosos à esquerda e à direita. Em matérias como o direito à vida e os costumes também pode haver matéria para acabar com certos mitos da direita e da esquerda. Há nos dois campos quem seja contra ou a favor da pena de morte, do direito à interrupção voluntária da gravidez em certas circunstâncias e a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. São matérias de consciência, e de mais nada.

Estes exemplos simplificados servem para dizer que, nos dias de hoje, na sociedade aberta e plural em que vivemos, as questões que verdadeiramente dividem a esquerda e a direita são normalmente de outra natureza. Situam-se em certos, mas substanciais, aspetos de organização económica, de saúde, de justiça, de segurança social, de educação, de defesa, de cultura, de comunicação social e de segurança interna. Aí, sim, existem diferenças de aproximação ideológica, o que faz sentido.

Escreve à quarta-feira