Carta ao Manel que teve a coragem de chatear a esquerda


“Acredito que todos temos o dever de aplaudir os jovens, como tu, que ousam ter uma opinião sobre Portugal. Parabéns Manel e por favor continua a escrever, quanto mais não seja para chatear a esquerda”.


Caro Manel,

Depois do que te vi sofrer e ser enxovalhado nas redes sociais, achei que tinha a obrigação moral de te escrever esta carta.

Antes de mais, deixa-me que te diga que também eu comecei a interessar-me por política muito novo. Ainda mais novo do que tu. Com apenas 13 anos já tinha filiação partidária e no meu caso à esquerda, aliás, no extremo da esquerda.

Talvez por na época ser de esquerda e porque a um jovem de esquerda tudo se perdoa, não fui obrigado a sofrer a discriminação de que tu foste alvo. Quer queiramos quer não, temos que perceber que para muitas pessoas ser de esquerda ainda representa ser boa pessoa. Afinal, o idealismo utópico de que todos podemos ser iguais é algo que fica bem a qualquer jovem esperançoso em mudar o mundo. Diz-se que quem aos 18 anos não é de esquerda não tem coração – ao que algumas pessoas acrescentam que quem aos 30 anos não é de direita não tem cérebro. Eu sou dessas pessoas.

Fui de esquerda até um pouco mais tarde do que a tua idade. Há um imaginário da esquerda que sempre me fascinou e mesmo perante as evidências de que cada vez pensava mais à direita, deixei-me até tarde levar pela festividade folclórica de partidos que sabem verdadeiramente trabalhar os seus símbolos, mitos e heróis. Deixa-me também que te diga que fui muito feliz assim. Mesmo enganado, é possível ser feliz sendo de esquerda.

Acontece que a vida está longe de ser um mar de rosas. Foi precisamente isso que me tornou de direita. Foi também aí que percebi que é muito mais doloroso e trabalhoso ser de direita. Como se não bastassem os fantasmas de um fascismo que a minha geração – e muito menos a tua – nunca conheceu, tinha ainda que levar com os rótulos de que era alguém que só era de direita porque era um privilegiado. O que em parte é verdade e em parte é mentira.

Sou um privilegiado em muitas coisas: tenho pais de classe média que sempre me deram tudo aquilo que conseguiram; tive acesso à cultura desde muito cedo; sempre tive estabilidade familiar; sempre tive pais presentes, carinhosos e que me motivaram a lutar pelos meus sonhos; e felizmente sempre fui saudável. Tenho muito orgulho na minha família. 

Mas não sou um privilegiado em muitas outras: nasci muito longe de Lisboa e nunca os meus pais tiveram qualquer tipo de relação com os poderes políticos ou económicos; estudei em escolas públicas; sou filho de assalariados; e tudo o que tenho consegui por e simplesmente pelo meu trabalho. Seja a minha casa, o meu carro, a minha empresa ou a minha carreira.

No entanto, por ser de direita, também eu sofro de rótulos com que tu já percebeste que vais ter que viver para sempre: se és empreendedor é porque tens dinheiro dos paizinhos; se tens um bom emprego é porque tens uma cunha; se és bom aluno é porque és de uma família com dinheiro; se tens uma opinião que não agrada à esquerda é porque estás formatado pela tua religião ou pelo teu meio sócio-económico. Nunca a esquerda perdoou à direita o facto de ter o seu mérito e de pensar pela sua própria cabeça. 

Repara que à esquerda quase tudo é perdoável: o Robles ser rico mas pregar a luta de classes; o Sócrates aparentemente ser trafulha mas dizer-se socialista; a Catarina Martins criticar a União Europeia mas receber fundos comunitários; as manas Mortáguas serem pacifistas mas terem um pai que foi terrorista; o Diogo Faro ser de famílias nobres e ter nascido em Alvalade mas vender-se como urbano-alternativo, e por aí em diante.

Manel, no Portugal em que vivemos é mais fácil ser de esquerda do que de direita. É mais fácil ser animalista do que ser aficionado de touradas. É mais fácil ser ateu do que ser católico. É mais fácil criticar os patrões do que criar uma empresa. É mais fácil defender um Estado falido do que ser liberal. É mais fácil estar calado do que escrever a crónica que tu escreveste. Mas nem todos temos que ir pelo caminho mais fácil. 

Sobre a tua crónica, e para terminar, concordo com algumas coisas e discordo de muitas outras. Tu és um jovem conservador, eu sou um jovem (menos jovem) muito liberal. No entanto, mesmo naquilo que discordo de ti estou disposto a combater a tua opinião com argumentos. Porque é assim que nós de direita funcionamos. 

Acredito que a única forma de combater o abstencionismo é devolver o palco do debate político aos mais novos. Porque acredito que a política se faz com debate de ideias. Porque acredito que todos temos o dever de aplaudir os jovens, como tu, que ousam ter uma opinião sobre Portugal. Parabéns Manel e por favor continua a escrever, quanto mais não seja para chatear a esquerda. 

 

 

 

Carta ao Manel que teve a coragem de chatear a esquerda


"Acredito que todos temos o dever de aplaudir os jovens, como tu, que ousam ter uma opinião sobre Portugal. Parabéns Manel e por favor continua a escrever, quanto mais não seja para chatear a esquerda".


Caro Manel,

Depois do que te vi sofrer e ser enxovalhado nas redes sociais, achei que tinha a obrigação moral de te escrever esta carta.

Antes de mais, deixa-me que te diga que também eu comecei a interessar-me por política muito novo. Ainda mais novo do que tu. Com apenas 13 anos já tinha filiação partidária e no meu caso à esquerda, aliás, no extremo da esquerda.

Talvez por na época ser de esquerda e porque a um jovem de esquerda tudo se perdoa, não fui obrigado a sofrer a discriminação de que tu foste alvo. Quer queiramos quer não, temos que perceber que para muitas pessoas ser de esquerda ainda representa ser boa pessoa. Afinal, o idealismo utópico de que todos podemos ser iguais é algo que fica bem a qualquer jovem esperançoso em mudar o mundo. Diz-se que quem aos 18 anos não é de esquerda não tem coração – ao que algumas pessoas acrescentam que quem aos 30 anos não é de direita não tem cérebro. Eu sou dessas pessoas.

Fui de esquerda até um pouco mais tarde do que a tua idade. Há um imaginário da esquerda que sempre me fascinou e mesmo perante as evidências de que cada vez pensava mais à direita, deixei-me até tarde levar pela festividade folclórica de partidos que sabem verdadeiramente trabalhar os seus símbolos, mitos e heróis. Deixa-me também que te diga que fui muito feliz assim. Mesmo enganado, é possível ser feliz sendo de esquerda.

Acontece que a vida está longe de ser um mar de rosas. Foi precisamente isso que me tornou de direita. Foi também aí que percebi que é muito mais doloroso e trabalhoso ser de direita. Como se não bastassem os fantasmas de um fascismo que a minha geração – e muito menos a tua – nunca conheceu, tinha ainda que levar com os rótulos de que era alguém que só era de direita porque era um privilegiado. O que em parte é verdade e em parte é mentira.

Sou um privilegiado em muitas coisas: tenho pais de classe média que sempre me deram tudo aquilo que conseguiram; tive acesso à cultura desde muito cedo; sempre tive estabilidade familiar; sempre tive pais presentes, carinhosos e que me motivaram a lutar pelos meus sonhos; e felizmente sempre fui saudável. Tenho muito orgulho na minha família. 

Mas não sou um privilegiado em muitas outras: nasci muito longe de Lisboa e nunca os meus pais tiveram qualquer tipo de relação com os poderes políticos ou económicos; estudei em escolas públicas; sou filho de assalariados; e tudo o que tenho consegui por e simplesmente pelo meu trabalho. Seja a minha casa, o meu carro, a minha empresa ou a minha carreira.

No entanto, por ser de direita, também eu sofro de rótulos com que tu já percebeste que vais ter que viver para sempre: se és empreendedor é porque tens dinheiro dos paizinhos; se tens um bom emprego é porque tens uma cunha; se és bom aluno é porque és de uma família com dinheiro; se tens uma opinião que não agrada à esquerda é porque estás formatado pela tua religião ou pelo teu meio sócio-económico. Nunca a esquerda perdoou à direita o facto de ter o seu mérito e de pensar pela sua própria cabeça. 

Repara que à esquerda quase tudo é perdoável: o Robles ser rico mas pregar a luta de classes; o Sócrates aparentemente ser trafulha mas dizer-se socialista; a Catarina Martins criticar a União Europeia mas receber fundos comunitários; as manas Mortáguas serem pacifistas mas terem um pai que foi terrorista; o Diogo Faro ser de famílias nobres e ter nascido em Alvalade mas vender-se como urbano-alternativo, e por aí em diante.

Manel, no Portugal em que vivemos é mais fácil ser de esquerda do que de direita. É mais fácil ser animalista do que ser aficionado de touradas. É mais fácil ser ateu do que ser católico. É mais fácil criticar os patrões do que criar uma empresa. É mais fácil defender um Estado falido do que ser liberal. É mais fácil estar calado do que escrever a crónica que tu escreveste. Mas nem todos temos que ir pelo caminho mais fácil. 

Sobre a tua crónica, e para terminar, concordo com algumas coisas e discordo de muitas outras. Tu és um jovem conservador, eu sou um jovem (menos jovem) muito liberal. No entanto, mesmo naquilo que discordo de ti estou disposto a combater a tua opinião com argumentos. Porque é assim que nós de direita funcionamos. 

Acredito que a única forma de combater o abstencionismo é devolver o palco do debate político aos mais novos. Porque acredito que a política se faz com debate de ideias. Porque acredito que todos temos o dever de aplaudir os jovens, como tu, que ousam ter uma opinião sobre Portugal. Parabéns Manel e por favor continua a escrever, quanto mais não seja para chatear a esquerda.