A recente decisão do reitor da Universidade de Coimbra de proibir, a partir de janeiro de 2020, a disponibilização de carne de vaca nas cantinas universitárias espoletou um debate aceso que pode ser visto como paradigmático da falta de racionalidade do debate público em Portugal, em particular, e no mundo em geral.
Ao anunciar a proibição, disse o reitor aos jornalistas: “Eu creio que o maior impacto é a consciencialização das pessoas para o problema”. E, nesse sentido, dado o animado debate público que se tem sucedido, pode dizer-se que foi uma medida com sucesso.
Mas será este o papel de uma universidade na sociedade? Promover medidas polémicas, pouco fundamentadas, como forma de suscitar o debate? Não deve antes promover o estudo cuidadoso dos assuntos e promover então o debate em torno dos mesmos?
Aliás, foi o próprio reitor, no seu discurso de tomada de posse, que afirmou: “Vejo uma instituição estimulante cuja maior riqueza seja a diversidade (…) de opiniões (…)”. E acrescentou: “O nosso foco deve estar na produção de conhecimento interdisciplinar de elevada qualidade, capaz de responder rápida e eficientemente aos desafios que a sociedade nos coloca” e “ao reitor pede-se que tome boas decisões com argumentos sólidos, evitando impulsos emocionais”.
Mas onde está a diversidade de opiniões? Onde está o conhecimento interdisciplinar de elevada qualidade? Onde estão os argumentos sólidos?
Assume-se uma atitude simplista de que a carne de vaca é má para o ambiente, esquecendo que nem todas as produções são iguais: a produção de bovinos feita no Brasil à custa da desflorestação da Amazónia tem um impacte altamente negativo, mas o pastoreio por bovinos e ovinos no montado no Alentejo é a razão pela qual estas são áreas, embora as mais secas e quentes do país, com a incidência de fogos rurais mais baixa.
O sistema de pastagens semeadas biodiversas, que só existe com pastoreio por vacas, ovelhas e cabras, aplicado aos solos pobres em matéria orgânica do interior e do sul do país, permite acumular carbono do solo, constituindo-se efetivamente como benéfico em termos ambientais (e tornando a carne dele oriunda ambientalmente mais favorável que as alternativas de base vegetal que a substituirão). Ainda mais próximo da natureza, e com enormes benefícios ambientais, temos sistemas como o pastoreio por vacas maronesas na serra do Alvão.
Mas não vale a pena também exagerar na nota oposta (lá está, a simplificação do debate por uma das partes promove a simplificação de sinal contrário pelas partes opostas) dizendo que toda a produção de bovinos em Portugal é positiva para o ambiente, o que é falso (embora provavelmente seja verdadeiro que, ainda assim, é melhor que essa produção ocorra em Portugal do que seja importada de países com menores exigências ambientais). Ou, pior ainda, que a produção de bovinos não tem qualquer problema ambiental.
Tivemos assim um conhecido comentador da nossa praça, ex-político e jornalista de renome, que com grande teatralidade afirmou em horário nobre “as vacas pastam, senhor reitor!”, acrescentando que, assim, acumulavam na carne o carbono que ingeriam da erva da pastagem. Seria caso de responder “as vacas respiram e arrotam, senhor comentador!”, e assim libertam como dióxido de carbono e metano (um gás com efeito de estufa muito superior ao do dióxido de carbono) a esmagadora maioria do carbono que ingeriram da pastagem. E seria ainda caso de responder “as pessoas respiram, senhor comentador!” e, portanto, acabam por libertar, como dióxido de carbono, o carbono que ingeriram quando comeram a carne das vacas.
Nos tempos que vivemos de pós-verdade e degradação do debate público, o que precisamos é de análises equilibradas e sensatas e de limpar o espaço público de análises simplistas ou, pior, pura e simplesmente erradas. E se há instituição que se deve assumir como guardiã desse papel é a universidade.
Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico