Em tempo de tantos olhos, quem tem Banksy é rei

Em tempo de tantos olhos, quem tem Banksy é rei


A dias de fechar portas, a exposição que fez Banksy colocar Lisboa na sua “lista negra” já recebeu mais de 100 mil pessoas. Com ou sem a sua bênção, Banksy parece ter o toque de Midas: este mês, a Sotheby’s vendeu um dos seus quadros pelo valor recorde de 11 milhões de euros.


Parece que tudo em que ele toca se transforma em ouro. Aliás, até aquilo em que não toca: a exposição Banksy: Genius or Vandal?, patente na Cordoaria Nacional desde junho e que está a dias de fechar portas (3 de novembro), já recebeu mais de 100 mil visitantes, segundo as contas da Everything is New, promotora da mostra. A exposição, composta por mais de 70 obras originais, esculturas, instalações, vídeos e fotografias oriundas de coleções privadas, faz-se efetivamente de trabalhos de Banksy, mas à margem da vontade de um artista que, além de continuar a esconder a sua identidade, afirma que rejeita a mercantilização da arte em geral e da sua em particular. A organização da exposição nunca tentou vender gato por lebre e não escondeu que Banksy: Genius or Vandal? não era uma exposição autorizada pelo artista mas, através do seu site, Banksy fez saber que não só discorda de uma mostra com a qual não colaborou como até colocou as cidades onde se têm organizado exposições semelhantes na sua “lista negra”. “Toda a gente deveria estar ciente de que está a haver uma onda recente de exposições do Banksy e nenhuma delas é consensual. Todas elas foram organizadas inteiramente sem o conhecimento ou o envolvimento do artista. Por favor, tenham isso em consideração”, lê-se no site.

As exposições que carregam o nome de Banksy têm nascido como cogumelos um pouco por toda a parte. Só em Portugal, contando com esta que agora encerra, contam-se duas: no início deste ano, a Alfândega do Porto recebeu a exposição Banksy’s, Dismaland and Others, que seguiu depois para Lisboa. Em Moscovo, Amesterdão, Madrid, Paris também estão patentes – ou em preparação – exposições semelhantes à da Cordoaria. Só a de Moscovo, noticiava o Guardian em agosto, recebeu 200 mil visitantes nos dois primeiros meses. Todas estas cidades, Lisboa incluída, estão agora na tal lista dos locais que despeitaram a vontade de um artista que sempre quis que os seus trabalhos estivessem ao alcance de todos, sem a barreira dos bilhetes ou dos torniquetes de um museu. De novo, a propósito do sucesso da exposição russa – patrocinada pelas maiores empresas do país –, o artista voltou ao ataque nas redes sociais: “Vocês sabem que isto não tem nada a ver comigo, certo? Não cobro à pessoas para ver a minha arte, a menos que haja uma roda gigante [fairground wheel, numa alusão à Dismaland, um parque anti-Disneyland que manteve aberto durante cinco semanas, em 2015, e para o qual convidou mais de 50 artistas]”.

Estas mostras são apenas uma gota do sucesso, aqui indesejado, do misterioso britânico. A sua abordagem da arte tem-lhe valido, nos últimos tempos, um lugar que ninguém ocupa no panorama mundial da street art. Banksy é uma marca mundial. Banksy vende. Muito. Por isso, pouco tem importado – tanto a quem vê como a quem organiza – a ausência da bênção do artista perante este tipo de exposições.

O talento, a criatividade e a crítica social que procura com a sua obra contam-se entre os predicados que lhe atribuem. E, claro, há o mistério. Na época da sobrepartilha da imagem, Banksy continua a recusar mostrar-se e trazer para a narrativa a sua bagagem pessoal – apenas se sabe que nasceu em Bristol.

Há quem tente, assim, fazer negócio também com esta teima de anonimato. Recentemente, uma empresa que produz cartões-de-visita quis registar em seu nome uma marca Banksy. Uma intenção, alegavam, que tinha motivos nobres: assim, impediriam a usurpação por terceiros da marca. A resposta do artista chegou pronta. “Essa empresa tenta proteger o meu nome para poder vender legalmente produtos Banksy falsificados (…). Acho que apostam em que eu não irei a tribunal para me defender”, disse, citado pela BBC.

O caso não chegou à barra dos tribunais porque o advogado Mark Stephens, especialista em direitos de autor, lembrou-se de uma maneira muito banksyana de enxotar as pretensões da empresa. Este mês, durante duas semanas, Banksy abriu uma pequena loja em Croydon, Londres, chamada Gross Domestic Product (produto interno bruto). Será mais correto, contudo, chamarmos montra ao espaço, visto que o local apenas serviu para mostrar uma linha de merchandise e de outros produtos depois vendidos online, entre os quais um à prova de bala com a bandeira do Reino Unido, utilizado pelo rapper Stormzy em Glastonbury. Com a abertura da loja, o artista fez assim cair por terra a reivindicação da empresa de cartões que queria aproveitar-se de uma lei britânica que dita que “se o dono da marca não a usa, ela pode ser transferida para quem o faça”, explicou o advogado ao Guardian. Ora, desta forma. Banksy usou a sua marca, embora pela razão “possivelmente menos poética possível para fazer arte”, lamentou quando abriu o espaço. Já o dinheiro resultante das vendas irá ser usado, pelo contrário, para um propósito mais inspirador: a compra de um novo barco de resgate de migrantes no mar Mediterrâneo.

Dias depois de a polémica vir a lume, no início deste mês, um óleo do artista onde se pode ver a Câmara dos Comuns, em Westminster, ocupada por chimpanzés, pintado há dez anos, ao qual chamou Devolved Parliament, foi leiloado na Sotheby’s. A pintura, que para a leiloeira “oferece uma visão premonitória da cada vez mais tumultuosa vida política no Reino Unido contemporâneo”, foi arrematada pelo valor recorde de 9,8 milhões de libras (11 milhões de euros). Um valor astronómico para um artista que quer continuar a lutar contra a mercantilização da arte e que, há pouco mais de um ano, destruiu outra das suas obras, Girl with Balloon (Rapariga com balão, de 2006) momentos após ter sido adquirida por 1,04 milhões de libras (cerca de 1,18 milhões de euros) na mesma casa. Resultado? O quadro tornou-se ainda mais valioso.