Patrícia Müller, autora de Luz Vermelha. “A realidade é sempre um ótimo ponto de partida”

Patrícia Müller, autora de Luz Vermelha. “A realidade é sempre um ótimo ponto de partida”


Patrícia Müller assina o argumento de uma história que, a partir do caso das Mães de Bragança, opõe dois grupos de mulheres. Luz Vermelha estreia esta sexta-feira às 22h30 na RTP1.


Em 2003 rebentou uma história pintada a várias tonalidades de escândalo que saltou as fronteiras do país. Um grupo de mulheres de Bragança, fartas de verem as imigrantes brasileiras que se dedicavam à prostituição levarem-lhes os maridos – e/ou o dinheiro dos mesmos – juntaram-se num movimento e insurgiram-se contra o peculiar statu quo. A história chegou à capa da Time e as “Mães de Bragança” ganharam um lugar na memória coletiva. Patrícia Müller, escritora e argumentista, estava à escuta – e já então tinha o hábito de anotar todas as histórias de que gostava. “Fiz uma pastinha com as minhas notas e guardei”, diz. E esta história tinha, efetivamente, tudo: confrontos éticos e judiciais, traições, desencanto, desigualdade. 

A propósito de um concurso da RTP, já depois de Madre Paula [também da sua autoria], Patrícia Müller foi recuperar a ideia, investigou o caso mais a fundo e lançou-se à escrita. “A realidade é sempre o melhor ponto de partida”, comenta. “Parto sempre de alguma coisa, tenho sempre um pé no jornalismo [a escola onde se formou]”. Depois é criar as camadas da ficção que alicercem a narrativa. “A história principal, da rapariga que chega, é inteiramente ficcionada”, explica, realçando que o trilho desta mulher, personagem principal, traz também para a trama “o processo de tráfico humano”.

Durante o processo de documentação, a argumentista foi a Bragança, onde, bem mais de uma década volvida, ainda encontrou gente que negava a pés juntos que algo semelhante tivesse ocorrido, mas também quem assumisse sem pudor que “ir às meninas” estava mais do que enraizado na sociedade. “Sempre houve prostituição em Bragança, sempre houve aqueles rituais de iniciação em que até os pais levavam os filhos”, conta, lembrando que a Time até falou com um pai e um filho que confirmaram a “tradição”.

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É neste seu argumento que Luz Vermelha se baseia. A série chega-nos com um título diferente do Mães de Bragança que a argumentista escolheu para a sua história, e também sem ligar Bragança à terra dos eventos. “Foi uma questão de escolha dos produtores”, explica. Uma escolha decorrente do cunho artístico dado a um projeto que, espera a RTP, poderá também, com esta abertura, ter mais oportunidades de chegar a outros mercados – aposta que, assume a argumentista, só se saberá se foi ganha no fim. “Vamos ter de testar”, diz. 

Mesmo sob um nome diferente e num lugar imaginário, Luz Vermelha conta, indubitavelmente, a história daqueles dois grupos de mulheres: o das “meninas”, que vieram em busca de um novo rumo, e o das aqui chamadas “mãe zelosas”, que lutaram com as armas que tinham à mão pela [ideia de] família que tinham construído.

Quando começou a traçar as linhas desta dicotomia, Patrícia foi-se abeirando de questões que, em 2003, nem lhe tinham “passado pela cabeça”, como a “legalização da prostituição” ou o que leva uma mulher a optar por este caminho. “Em que condições de liberdade é que estas mulheres escolhem? Vêm quase todas de classes muito baixas, muitas já foram vítimas de abusos sexuais. É mesmo liberdade?”