A democracia portuguesa parece estar, cada vez mais, matura. Ou melhor, o eleitorado português, ainda que com níveis de abstenção significativos, está a mostrar maior capacidade de discernimento e tem deixado marca nos diversos atos eleitorais dos últimos quatro anos.
Surpreendentemente, ou não, a classe política, por seu turno, parece não estar a ser capaz de ler estes novos sinais. Os resultados eleitorais mais recentes e, em concreto, os da Região Autónoma da Madeira, revelaram uma clara mudança de rumo. Mais surpreendente, para mim, foi a incapacidade de alguns líderes políticos lidarem com a situação.
O mapa eleitoral da Madeira ficou, literalmente, dividido a meio. Metade da ilha é uma mancha laranja, a outra metade vermelha, tendo, esta última, se estendido até ao Porto Santo.
Foi o fim de quarenta e três anos de hegemonia social-democrata que, não fossem as reações dos candidatos na noite eleitoral, não teria sido uma queda tão estrondosa. O maior estrondo poderia ainda estar para vir, sobretudo, porque a crispação e a confiança das declarações de alguns cabeças de lista, deixavam antever que ainda muita água vai correr nos próximos dias.
O centro-direita mantém a maioria dos deputados e, em circunstâncias normais, um acordo PSD-CDS, seria suficiente para assegurar a estabilidade.
Até aqui tudo bem, dois partidos da mesma ala política, com um passado de colaboração comum (independentemente dos problemas de coligações passadas que demonstraram que existem mais pontos de afastamento do que de aproximação), que levaria a pensar que estaria assegurada uma governação estável, com necessidade de acertos, mas pacífica.
Os sinais de desentendimento tornaram-se notórios após as intervenções dos cabeças de lista destes dois partidos. Miguel Albuquerque, com naturalidade e independentemente de perder a maioria absoluta, não renegou a sua vitória. Por seu lado, Rui Barreto, indiferente à perda de quatro deputados, verbalizou em alto e bom som que não abdicaria, nem se desviaria, um milímetro das ideias e propostas do CDS, na eventual formação de um governo de coligação. Indiferente às manifestações públicas da sua líder que, em agosto, aventava a possibilidade de uma reencarnação da gerigonça numa versão de direita.
Por outro lado, o PS, que triplica o seu resultado e, estou certo, não pode ser ignorado sobretudo porque, festejos à parte motivados pelo fim de quarenta e três anos de domínio laranja, o seu discurso transpareceu uma frieza e serenidade que só encontra paralelismo com o discurso de Costa há quatro anos, nas vésperas da invenção da geringonça.
Por fim, independentemente da linha ideológica que segue, o JPP, com um discurso ambivalente a tocar o jocoso mas a transmitir uma mensagem muito clara, pode ser o trunfo que trará margem negocial a Miguel Albuquerque. A posição do JPP retirou todo o gás ao discurso inflamado de Barreto, e dá algum oxigénio ao PSD para aguentar e suster a respiração durante as próximas rondas negociais.
Contas feitas, Albuquerque depende sempre de um de dois partidos, CDS ou JPP. Já Cafôfo, se quiser fazer uma versão híbrida da geringonça nacional, tem uma montanha enorme para escalar. Tem de esperar que a crispação patente entre CDS e PSD inviabilize um acordo e, posteriormente terá que ter mestria para convencer JPP e CDS a alinharem numa aventura sem precedentes.
Passadas vinte e quatro horas, já com ânimos mais serenos, o fumo assentou e lá vieram as naturais aberturas que poderão permitir entendimentos de governabilidade. Contudo nada é líquido.
Em qualquer dos casos, a Madeira vai estar a ferro e fogo nos próximos tempos e só espero, honestamente, que não fique queimada.
Escreve à quinta-feira