Um debate radiofónico, que se queria político sobre os problemas de Portugal e dos portugueses, mas que morreu afogado no discurso das ciências sociais


A maior parte das perguntas formuladas pelos entrevistadores e, portanto, das respostas dos entrevistados pouco se referiram aos problemas reais da maioria dos portugueses.


Tive oportunidade de ouvir na rádio o debate dos líderes das seis forças políticas com assento na Assembleia da República.

Através da rádio digital, é hoje possível fazê-lo em qualquer parte do mundo e nas horas mais convenientes.

A maior parte das perguntas formuladas pelos entrevistadores e, portanto, das respostas dos entrevistados pouco se referiram aos problemas reais da maioria dos portugueses e, designadamente, daqueles para os quais a política deveria encontrar soluções que ajudassem a dignificar, um pouco que fosse, a sua vida.

A elite mediática continua, aparentemente, a preocupar-se sobretudo com aspetos que, sendo relevantes no plano das discussões travadas na bolha dos ambientes académicos e profissionais onde, pela sua origem e formação, ela se situa, e muito pouco com os problemas que afligem, de facto, a maioria dos portugueses, em especial os mais carenciados.

Mesmo quando tais assuntos são perfunctoriamente abordados, a linguagem e a perspetiva de onde se parte são sempre a da economia (já não política) gestionária, tecnocrática e abstrata: incompreensível para grande parte dos ouvintes.

Foi o aconteceu, por exemplo, quando, muito superficialmente, reconheça-se, se falou dos esquemas alternativos de financiamento da segurança social, sem que o montante real das pensões mais baixas e da sua capacidade para permitir a sobrevivência digna dos pensionistas tivessem sido sequer aflorados.

Do salário mínimo e do insignificante nível médio dos salários dos portugueses, dos abusivos e impraticáveis preços das rendas de casa e da qualidade dos ambientes urbanos para onde são remetidos os portugueses, jovens e velhos, que são expulsos dos centros das cidades, do apoio à terceira idade e às crianças filhas de pais trabalhadores, enfim do escândalo da pobreza, quase nada se disse, porque tais temas não parecem impressionar os alheados entrevistadores que formularam as perguntas.

Não se falou sequer da crise da Europa em que estamos inseridos, ou do mundo cada vez mais agressivo que nos rodeia.

Falou-se, sim, das questões institucionais, num país que vive pacificamente – mesmo que com distanciado ceticismo – com as instituições que tem.

Claro está que tais temas tocam especialmente a essa elite político-mediática, que os vive em círculo fechado, inventando quotidianamente novas “narrativas” e empolando casos excecionais, que, mesmo quando verdadeiramente relevantes, não chegam para caracterizar a realidade geral em que se inserem.

De facto, por muito importantes que sejam as questões relacionadas com o mapa eleitoral e os métodos de escolha dos deputados, tais questões pouco dizem aos cidadãos que lidam bem, desde o 25 de Abril, com o sistema que temos.

O mesmo se diga, apesar de tudo, da violação do segredo de justiça e da morosidade dos grandes processos mediáticos, e – como disse e bem a Doutora Assunção Cristas – da imprescindível reforma processual para acabar com os megaprocessos.

Na verdade, tais temas interessam sobretudo à resolução da vida daqueles poucos portugueses que, ou se viram neles envolvidos, ou deles vivem enquanto académicos, advogados, magistrados, jornalistas ou políticos.

Explica-se, assim, a razão por que alguns dos participantes – sobretudo Jerónimo de Sousa, mas também António Costa – pouco tivessem intervindo sobre eles e, aliás, pouco tivessem intervindo em geral.

As razões de um para estar na política são sobretudo outras e as preocupações que, de imediato, se apresentam ao outro, também.

Mais uma vez, infelizmente, o que poderia ter sido um importante debate sobre o futuro de Portugal e dos portugueses morreu na praia, afogado por entrevistadores interessados, antes do mais, em problemas de direito, ciência política, gestão, sociologia e outras ciências sociais.

 

Escreve à terça-feira