Alterações climáticas. Dos “discursos bonitos” até aos “planos concretos”

Alterações climáticas. Dos “discursos bonitos” até aos “planos concretos”


As metas do Acordo de Paris dependem de cada país. O objetivo é que Portugal diminua em 90% as suas emissões de gases com efeito de estufa e que os restantes 10% sejam absorvidos naturalmente.


Durante a preparação da Cimeira Climática das Nações Unidas, que começa hoje em Nova Iorque, o secretário geral da ONU, António Guterres, pediu aos líderes mundiais: “Não venham para a cimeira com discursos bonitos. Venham com planos concretos. E estratégias para atingir a neutralidade carbónica em 2050”. Ou seja, diminuir as emissões de CO2 até ao ponto que sejam compensadas pela absorção de carbono pelos chamados sumidouros naturais – como a floresta e o solo. Num momento em que a expressão “emergência climática” se tornou comum no debate político em todo o mundo, é esperado que entre 60 e 100 países correspondam às expectativas de Guterres, incluindo Portugal (ver texto ao lado). Contudo, a maioria deles são pequenos países, enquanto boa parte dos principais países emissores de gases com efeito de estufa continuam longe do pretendido – como é o caso de pesos pesados como o Brasil, Arábia Saudita, África do Sul e os Estados Unidos.

As exigências ambiciosas de Guterres tornaram-se necessárias dado que os compromissos de cada país no acordo de Paris foram estabelecidos pelos próprios – significando que, em muitos casos, mesmo que as metas sejam cumpridas, isso não chega. Aliás, se o objetivo do acordo era um corte das emissões que limitasse o aquecimento global a um máximo de 1,5ºC – para a evitar consequências “potencialmente catastróficas” de um aumento superior, segundo os cientistas (ver página 19) – o total dos compromissos feitos nem consegue refrear o aumento global de temperatura para valores inferiores aos 2ºC.

É nessas circunstâncias que estão muitos países europeus – tendo a União Europeia sido impedida de se comprometer como um todo com a neutralidade carbónica em 2050 pelo veto de países do chamado pacto de Visegrado, como a Polónia, República Checa e Hungria. “Porque é que havemos de decidir 31 anos antes do tempo o que acontecerá em 2050?”, questionou o primeiro-ministro checo, Andrej Babiš.

Contudo, apesar da forte oposição de alguns países, tem sido apontado um crescente apoio aos esforços contra o aquecimento global entre os líderes europeus. Algo que coincidiu com o grande crescimento dos Verdes nas eleições europeias, em maio – que parece ter alertado os dirigentes políticos para as crescentes preocupações ambientais dos seus eleitores. Se um diplomata europeu contou ao The Guardian que em março os líderes europeus estavam “muito divididos” quanto ao assunto, em junho a esmagadora maioria apoiou os planos de descarbonização. “Esta é uma excelente oportunidade”, assegurou na altura o primeiro-ministro da Letónia, Krišjanis Karinš, dirigindo-se aos restantes líderes europeus.

O gigante com as maiores emissões Um argumento lançado pelos países europeus opositores de maiores compromissos ambientais é a questão do que fazer quanto ao aumento das emissões na China, o país com maiores emissões de C02, que aumentaram 4,7% em 2018 – algo que terá contribuído bastante para o aumento de 2,7% das emissões globais de CO2, segundo o Global Carbon Project.

Apesar deste aumento, a China continua em cumprimento dos objetivos que estabeleceu no acordo de Paris, que lhe permitem aumentar as suas emissões até 2030, para as diminuir até 2040. Os compromissos chineses ilustram bem a fragilidade do acordo de Paris, cujas medidas não chegam para impedir um aquecimento global de 20C, e ainda menos de 1,50C – recebendo a classificação de “muito insuficientes” pelo Climate Action Tracker.

No entanto, importa salientar que apesar do volume das suas emissões, a China sempre recusou ser posta no mesmo saco dos EUA, devido à sua enorme população – que de facto torna as suas emissões per capita muito inferiores à dos norte-americanos. Por um lado, o aumento das emissões chinesas é justificado pelo crescente consumo de uma população com melhores condições de vida. Por outro, não ajuda que boa parte da energia chinesa seja produzida a partir do carvão – um dos combustíveis fósseis mais poluentes. Paradoxalmente, a China também é um dos maiores produtores de tecnologia para energia solar do globo – que pode ser uma saída para a dependência chinesa do carvão. Essa encruzilhada económica será decisiva para o futuro do planeta, dado que o carvão terá de ser abandonado pelo setor energético globalmente até 2050, de modo a ser possível manter o aquecimento global abaixo dos 1,50C, segundo um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC).

Em declarações ao Climate Home News, o enviado especial da ONU para o Clima, Luis Alfonso de Alba, mostrou-se “muito confiante que a China virá à cimeira com um compromisso claro e com um nível mais alto de ambição”. Contudo, segundo comunicados do Estado chinês citados pelo Climate Change News, esse compromisso virá também com a exigência do pagamento de reparações económicas na ordem dos 90 mil milhões de euros por ano, por parte dos países desenvolvidos – que historicamente desenvolveram a sua indústria muito graças à energia do carvão, que a China ficaria impedida de utilizar. A proposta também recebeu o apoio da Índia, o quarto país com maiores emissões do mundo.

“Ninguém estava de facto à espera que Trump viesse” As Nações Unidas já deixaram o recado de que apenas líderes dispostos a fazer compromissos ambientais significativos poderão discursar nesta cimeira – deixando de fora o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O antigo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou que a posição dura de Guterres pretende pressionar os países a aceitar metas ambiciosas antes da próxima cimeira do Clima, marcada para o próximo ano. A resposta de Trump? Comparecer a uma reunião sobre liberdade religiosa na sede das Nações Unidas, no mesmo dia da cimeira, segundo avançou o The Guardian. “Ninguém estava de facto à espera que o Presidente [Trump] viesse à cimeira”, disse ao jornal britânico uma fonte na ONU.

O facto é que o Presidente dos Estados Unidos é há muito um negacionista das alterações climáticas – a que chamou frequentemente de “farsa”, propagada para dar vantagem à China. O crescimento da influência dos negacionistas terá sido um dos motivos para que Greta Thunberg, talvez a mais conhecida ativista contra as alterações climáticas, tenha apresentado como testemunho ao congresso um relatório dos cientistas do IPCC sobre o assunto. “Não quero que me oiçam a mim”, explicou Greta. “Quero que oiçam os cientistas. Quero que se unam à ciência e que tomem ações reais”. Contudo, o apelo de Greta e o consenso na comunidade científica não demoveram Trump, que se mantém um forte defensor daquilo a que chama “domínio energético” – um eufemismo para priorizar o investimento nos combustíveis fósseis, independentemente dos custos para o planeta.