Boavista-Sporting. Deixaram as torneiras abertas sobre o frango do sr. Azevedo

Boavista-Sporting. Deixaram as torneiras abertas sobre o frango do sr. Azevedo


Conta a história que as deslocações do Sporting ao Porto, para defrontar os axadrezados, são geralmente complicadas. A primeira de todas, em 1936, não foi exceção. Chovia que Deus a dava no estádio do Lima e o empate chegou no fim: 2-2.


Neste campeonato nacional de 2019-20, que só vai, sublinhe-se, na quarta jornada, apenas duas equipas não sabem o que é a derrota: o Famalicão, lampeiro como líder isolado, que recebe amanhã o Paços de Ferreira; e o Boavista, quarto da tabela, a quem toca fechar a jornada, no domingo à noite, frente ao Sporting, no Estádio do Bessa.

Nunca foram fáceis as surtidas do leão ao Bessa. Assisti a muitas nas bancadas do velho estádio, antes da reforma de 2003, a bem menos depois disso. Tempo, porque não?, de recordar a primeira de todas. Época de 1935-36, a estreia dos axadrezados na divisão principal, axadrezados que, nesse tempo, também jogavam às riscas, verticais, pretas e brancas, e que acabariam por chegar ao fim com avanço confortável sobre os dois últimos da classificação, Carcavelinhos e Académica de Coimbra.

Chovia que Deus a dava no Estádio do Lima, no Porto, campo sempre escolhido para jogos de maior peso. A chuva, inclemente, vento cortado a norte, frio de arrepiar os ossos, tudo fez com que os espetadores fugissem para lugares mais confortáveis do que os que rodeavam o retângulo do jogo.

Jornada n.o 5, 16 de fevereiro de 1936, Sporting na liderança, perseguido pelo Benfica, que viria a ser campeão, com equipa de truz mais os seus Azevedo à baliza, Jurado e Vianinha na defesa, os grandes Soeiro, Mourão e Pedro Pireza no ataque.

Ninguém previa resultado que não fosse a vitória dos lisboetas no Porto.

A imprensa, ao tempo, escrevia Boa Vista, separado.

Um trio destacava-se na frente: Peseta, Costuras e Ferraz.

Como se sairia Dionísio, o keeper?

Que segurança poderiam transmitir Humberto e César Machado?

Se dúvidas havia, e eram bastantes, todas rodeavam os da casa, que até jogavam em campo emprestado.

Afinal, era a primeira vez que os rapazes da freguesia de Ramalde, Bairro do Bessa, se viam metidos em assados tamanhos. Nas jornadas anteriores tinham empatado com o Belenenses (1-1 em casa), perdido em Setúbal (1-3) e em Lisboa, com o Carcavelinhos (1-2), e batido a Académica (4-1).

Mas o Sporting era outra loiça.

Ou, pelo menos, era assim que o pintavam.

Problemas Se os leões sempre viram o Boavista como um adversário chato como a potassa, a primeira visita não ficou na lista das exceções. O jogo foi duro. Leal, mas duro. O terreno, empapado, convidava mais à luta do que ao alarde da técnica.

Logo aos três minutos, Azevedo vê-se atrapalhado com uma agressiva atitude de Ferraz. A defesa complicava-lhe a vida, caindo em excesso na sua zona de ação. Começou a gesticular, exigindo visão periférica.

Azevedo foi enorme. Um dos mais enormes dos enormes do futebol em Portugal! Aos 23 minutos tem de ir buscar a bola ao fundo da sua baliza. Peseta tivera o desplante de rematar de longe, mesmo muito longe, e fora feliz: 1-0.

Parece que foi um frango valente. É o que rezam as crónicas.

O Boavista/Boa Vista encanta-se com a fortuna e atreve-se. Cinco minutos depois vê um golo ser anulado.

Azevedo irrita-se. Pior: está furibundo!

O público também. Além da intempérie, julga ter o árbitro contra. Os assobios são intensos.

Só no segundo tempo é que o ataque leonino começa a incomodar Dionísio. Pireza abre o leque dos seus lances vistosos.

Contragolpe! Laguna recupera a bola a meio-campo e desmarca Antero: 2-0!

Inacreditável!

Poderá o Sporting perder um jogo que todos davam como fácil?

Os pontos de interrogação acumulam-se e a água não para de escorrer do céu como se alguém, lá no alto, tivesse deixado as torneiras todas abertas.

Frango por frango: um remate fraco de Pireza enrola-se nos braços de Dionísio e há golo.

Faltam cinco minutos para o final.

É uma questão de honra e de raiva. Pireza faz o 2-2. As bancadas têm pouca gente, mas é preciso vir a polícia para tirar do campo o árbitro Manuel Oliveira, de Coimbra. Reclamam os boavisteiros que a bola saíra do campo antes do remate. De nada lhes serve.