1. Sendo certo que os líderes do PSD foram sempre confrontados com uma esmagadora maioria de analistas e formadores de opinião que lhes eram hostis, a forma praticamente unânime como atribuíram a vitória a Rui Rio no debate de segunda-feira torna-a indiscutível. Mesmo aqueles que não reconheceram esse mérito ao líder social-democrata acabaram por reconhecer que houve, no mínimo, um empate, o que é uma lança em África, tendo em conta a posição que normalmente assumem.
É claro que há muito caminho a fazer por todos os partidos e que as sondagens são um indicador relativamente consistente que não se pode ignorar totalmente. Trata-se, porém, de estudos que apontam uma tendência num dado momento e nada mais do que isso, havendo a registar nas mais recentes que o número de indecisos é muito significativo e cresceu nas últimas semanas.
O debate entre os dois líderes foi um momento raro em que o país parou. Não será por ele que as coisas mudam de um momento para o outro, mas pode ser a hora que definiu uma inversão de tendência, o que já aconteceu há quatro anos, quando António Costa foi perdendo fôlego em favor de Passos Coelho e de Paulo Portas, na altura coligados.
Até segunda-feira era impressionante a pressão mediática exercida para explicar que os resultados das legislativas estavam praticamente definidos. Apenas se colocava a hipótese vaga de não haver uma maioria absoluta do PS, coisa em que agora ninguém aposta as fichas todas, depois do debate. Passou a haver mais prudência na análise, o que moraliza uns e torna outros mais apreensivos. Como diz a sabedoria popular, até ao lavar das cestas é vindima, e há que contar com isso e com as súbitas reviravoltas que podem sempre surgir nos dias que antecedem a consulta.
Os portugueses têm nestas eleições uma panóplia de propostas partidárias ainda mais vasta, com 21 partidos em liça. Apesar disso, a realidade é que só há duas escolhas para primeiro-ministro: António Costa ou Rui Rio. Por mais voltas que se queira dar ao texto, só um deles poderá formar Governo. Ficaram patentes no debate as diferenças de estilo de atitude e de postura em quase tudo, ainda que PS e PSD tenham pontos essenciais em comum, como acontece com a maioria dos portugueses que se revêm na generalidade das grandes questões da sociedade. Costa é mais fechado e enigmático. Rio é mais aberto, mais pragmático e mais seguro quanto aos aspetos concretos da governação. Significativo da personalidade de cada um foi o facto de Rio ter cumprido o compromisso de não falar e comentar o debate no final e de Costa ter abundantemente furado o pacto.
Até às eleições faltam ainda alguns debates, uma campanha eleitoral e umas eleições regionais na Madeira de permeio. Ao contrário do que muitos pensam, as campanhas ainda podem ter influência direta nos eleitores e proporcionar “bons bonecos” para os jornais televisivos. Nos próximos dias, todos os protagonistas irão para a estrada dar o litro, para usar uma expressão popular. Haverá muito que contar sobre isso.
2. No momento em que se fala de uma hipotética maioria absoluta, há dados que convém recordar. Existem 22 círculos eleitorais e cerca de 10 milhões de recenseados. Para apurar o vencedor deve descontar-se à abstenção, que normalmente é muito alta e pode ir a mais de 40%, os votos brancos e os nulos. Significa isto que se pode obter maioria absoluta com bastante menos do que dois milhões de votos. Ora isso representa, na prática, a investidura como primeiro-ministro do líder de um partido com menos de 20% da população eleitora. É, portanto, possível formar-se uma maioria política que seja quatro vezes inferior à população e contrária àquilo que ela quer e pensa. É um maná que permite ocupar todos os lugares-chave do Estado, mas é também uma fragilidade e um potencial universo de instabilidade social e económica.
3. A Autoridade da Concorrência teve mão pesada e multou a banca fortemente por causa da cartelização óbvia que existiu relativamente a créditos de habitação. Foi bonito e não serve para nada. Primeiro, porque a banca vai obviamente recorrer para os tribunais. Depois, porque a decisão visa as instituições, e não os gestores pessoalmente e no seu património. Assim pagam os depositantes e os responsáveis seguem na sua vidinha.
4. Há dias, na sua crónica semanal na Antena 1, a jornalista Alexandra Lucas Coelho explicava o martírio que passou para renovar o passaporte. Esclarecia que muitos países exigem um documento com seis meses de validade para a frente para deixarem alguém entrar, o que faz com os nossos passaportes sirvam muitas vezes durante quatro anos e meio, e não cinco. Relatava ainda as sucessivas e desesperantes filas de espera a que se sujeitou e a falta de funcionários para tratar do atendimento. Finalmente, a jornalista sugeria que os nossos passaportes passassem a ter uma validade de dez anos, como sucede em muitos países, o que evitaria uma aglomeração permanente de gente desesperada. Simples, objetivo e concreto! Será que alguém ouviu?
Escreve à quarta-feira