TGV. A sigla mal-amada de uma campanha eleitoral

TGV. A sigla mal-amada de uma campanha eleitoral


As referências à alta velocidade ferroviária no programa do PSD lançaram a confusão. Costa já lhe chamou tema tóxico e Rio diz que “não é nenhum TGV”. A polémica nasceu com Sócrates.


Associar o debate da ferrovia à alta velocidade e ao TGV em tempo de campanha eleitoral pode ser arriscado e o primeiro-ministro reconheceu há um mês que o tema é “bastante tóxico em Portugal”, numa entrevista que deu ao Canal 11, da Federação Portuguesa de Futebol.

O programa eleitoral do PSD diz que é preciso “estudar, planear e projetar uma nova ligação nacional sul-norte em alta velocidade, em bitola europeia, com as respetivas ligações à fronteira e à Europa, preparadas para tráfego de passageiros e mercadorias”. Mas o presidente do PSD apressou-se a esclarecer que no seu programa “não está TGV nenhum, está a alta velocidade, que é coisa diferente, sujeita a consenso nacional, ibérico e europeu, e não está sequer [prevista] nenhuma execução para os próximos quatro anos”, disse, citado pela RTP, em pré-campanha nos Açores.

O esclarecimento impunha-se porque o primeiro-ministro e secretário-geral do PS, António Costa, afirmou-se perplexo com a ideia do TGV, recuperada pelo PSD, pois foi no Governo de Passos Coelho que o projeto foi abandonado. O então primeiro-ministro chegou mesmo a dizer que o “projeto estava arrumado” em 2012.

Na memória estavam, por exemplo, gastos em estudos no valor de 14,6 milhões de euros entre 2006 e 2009, apontados pelo Tribunal de Contas, no primeiro Governo socialista liderado por José Sócrates. Mais tarde, em 2015, um relatório da mesma entidade concluía que tinham sido gastos cerca de 150 milhões de euros em 11 anos num projeto que nunca conheceu a luz do dia.

Costa reconheceu há um mês, na referida entrevista, que “nem há condições económicas nem condições financeiras no próximo quadro comunitário para que esse tema surja. Daqui a sete anos, eventualmente, é um tema que poderá voltar a surgir”, atirando a sua discussão para lá da próxima legislatura.

Agora, com a introdução da alta velocidade no programa eleitoral de Rio, Costa aproveitou o momento para tentar demonstrar alguma inconsistência do adversário nas eleições de 6 de outubro: “É muito estranho que tenha havido uma grande discussão na Assembleia da República sobre as infraestruturas a realizar na próxima década, tendo o PSD apresentado propostas, tendo o PSD votado a favor do programa, e de repente saia da cartola um TGV de que ninguém ouviu o PSD falar”, afirmou, citado pela Lusa.

E mesmo depois das explicações de Rio nos Açores, o PS colocou no Twitter a página do programa do PSD onde se faz menção à alta velocidade. O coordenador do programa eleitoral do PSD, David Justino, respondeu na mesma rede social ao PS: “Onde é que está o TGV?” – leia-se a referência ao projeto. Rio acusou Costa de ter ido atrás de notícias “manifestamente exageradas” e insistiu que a proposta não diz TGV. Então, o que pretende o PSD? Os sociais-democratas querem planear e garantir o consenso para rentabilizar e melhorar a ferrovia de forma a acautelar, no futuro, uma maior rentabilidade, por exemplo do Alfa, garantir a bitola europeia em articulação com Espanha, mas sempre – e só – se as contas públicas o permitirem. E nunca nos próximos quatro anos. Mais à frente no mesmo programa, os sociais-democratas defendem que é preciso “evitar o isolamento da economia portuguesa e a aumentar a mobilidade interna, considerar um plano de migração da rede para bitola europeia, articulando com a política ferroviária espanhola”.

Em causa está o facto de existir uma bitola (a diferença entre carris) na Península Ibérica (bitola ibérica) e outra na Europa.

Tanto o CDS como o PS como o Bloco de Esquerda não fazem menção à alta velocidade nos seus programas eleitorais. A ferrovia é sempre tratada como um ponto que é preciso modernizar e investir a longo prazo. O BE fez, aliás, as contas para duas décadas: “O Plano Ferroviário Nacional 2040 envolve um investimento global (infraestrutura + material circulante) estimado em 9000 milhões de euros ao longo de duas décadas”, pode ler-se no programa eleitoral.

Já o PCP faz duas referências à alta velocidade no seu programa eleitoral. Ao i, os comunistas acrescentam que “a valorização da ferrovia, onde se insere a introdução e o desenvolvimento da alta velocidade ferroviária em Portugal – seja na ligação entre Lisboa e Porto, seja nas ligações internacionais – é um caminho que o país precisa de percorrer, rompendo com o desinvestimento imposto por sucessivos governos. A opção pelo TGV é apenas uma entre as várias soluções de alta velocidade ferroviária existentes que o país pode considerar, inserida numa estratégia mais ampla de reabertura, modernização e desenvolvimento de toda a rede ferroviária nacional”. Ou seja, o PCP aborda o tema sem problemas e sem o descartar.