Amazónia. Protestos contra Bolsonaro chegam a Lisboa

Amazónia. Protestos contra Bolsonaro chegam a Lisboa


Concentração exige outro posicionamento do Governo português perante “crimes contra a humanidade e o planeta”.


Os incêndios que estão a devorar a maior floresta tropical do mundo desencadearam uma vaga de protestos um pouco por todo o globo: Londres, Madrid e Bogotá, são alguns dos exemplos. Na capital portuguesa, entre outros protestos para chamar à atenção para o desastre ecológico no pulmão do planeta, foi marcada uma concentração intitulada “Lisboa pela Amazônia”, organizada e apoiada por dezenas de coletivos e associações, na Praça Luís de Camões, a ser realizada hoje às seis da tarde.

“Somos uma frente ampla da sociedade civil e estamos a fazer um protesto pelos acontecimentos recentes na Amazónia, pelos incêndios completamente descontrolados e também de origem criminosa. Pelo que sabemos, em grande parte, foram incentivados pelo próprio Presidente. Por um lado, queremos demonstrar uma preocupação real e internacional com o que se está a passar na Amazónia. Por outro, repudiar o Governo Bolsonaro que se tem manifestado desastroso nos últimos oito meses de mandato. E por fim, pedir um posicionamento claro do Governo português nesta matéria.”, disse ao i Rita Natálio, do Fórum Indígena Lisboa, uma das organizadoras da concentração, acrescentando que é fundamental “mostrar que não se brinca em matéria de preservação ambiental e de respeito aos povos amazónicos, que vivem da floresta e que têm-na preservado até hoje”.

“A concentração acontece em desacordo com a política ambiental que está a ser implementada no Brasil e a responsabilidade que Bolsonaro se recusa a ter em relação às queimadas na Amazónia. O objetivo é chamar a atenção para a sua política ambiental que está ser implementada, ou então, desestruturada, ou atacada pelo Governo Bolsonaro”, explicou ao i Samara Azevedo, do Coletivo Andorinha, outro signatário da concentração.

Os incêndios continuaram a arrastar-se na floresta tropical, de tal forma que ontem o Amazonas foi o sétimo estado brasileiro – dos nove que integram a Amazónia legal – a oficializar o pedido de intervenção das forças armadas para os auxiliar no combate às chamas que se alastram intensivamente e de forma cada vez mais veloz.

António Costa realçou na sexta-feira que era tempo de solidariedade com o Brasil e não de sanções internacionais. Tanto Natálio como Samara exigem que o Governo português tome uma posição afincada contra a política ambiental de Bolsonaro e não só. “Tem que estar na pauta da agenda internacional a preservação ambiental e o combate às alterações climáticas. [Em] nenhuma destas duas coisas, o Governo português se tem mostrado muito apto para o fazer”, defendeu a ativista do Fórum Indígena.

“São muitas as reivindicações dos vários grupos que compõem a organização do evento. Uma delas é a recusa completa da possível vinda de Bolsonaro a Portugal, em 2020, que ainda não está confirmada. Mas reivindicamos aqui que terra democrática não é território de Governo de extrema-direita nem Governo fascista”, sublinhou Samara.

Portugal importou 898 toneladas de carne brasileira no ano passado, o valor mais alto dos últimos anos, de acordo com o INE. O Brasil é o maior exportador de carne bovina a nível mundial. Segundo organizações ambientais, como o World Wild Fund, a exploração agro-pecuária intensiva é responsável por 80% da deflorestação da Amazónia.

No comunicado de apelo à participação na concentração de hoje, os coletivos defendem “o boicote aos produtos do agronegócio brasileiro”. Para Natálio, a proposta do Governo finlandês de boicotar carne brasileira “é um princípio, mas quando falamos de agropecuária não estamos a falar só de carne. A soja também, por exemplo. O que nós temos que saber é como é que podemos averiguar para conseguir distinguir o comércio que vem do agronegócio – que tem desmatado – e o que é um comércio estável e justo, produzido por outras fontes de renda”.

Desde o início do seu mandato, que o Governo de Bolsonaro declarou guerra às comunidades indígenas brasileiras e prometeu desmantelar as instituições que protegem os seus interesses, como o Fundo Nacional do Índio.

Com efeito, as invasões ilegais a territórios indígenas aumentaram exponencialmente. Há alguns meses atrás, a Comissão Indigenista Missionário alegou que as invasões aumentaram 150% desde que o militar na reserva entrou no Planalto.

Uma das exigências das organizações que convocaram a concentração de hoje é “a entrega incondiconal dos territórios indígenas ao seus povos”. “Existe um acordo geral com a bancada do agronegócio no Brasil que violentamente invade terras e mata índigenas”, reiterou Samara, completando que a política ambiental de Bolsonaro tem incentivado “actos criminosos” como as “queimadas para abrir terra para o agronegócio”.

Por outro lado, questionada pelo i sobre se os anteriores governos do Partido dos Trabalhadores também não tinham participado na destruição da Amazónia, Natálio defende que o Presidente brasileiro inaugura toda uma política hóstil contra o ambiente e os indígenas.

“Há muitas coisas em que é diferente. O Governo de Bolsonaro tem sido desastroso. E porquê? Tem sistematicamente desmontado as grande estruturas de pesquisa, como o caso do Inpe[Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais]. Tem feito toda uma série de ações que descredibiliza as estruturas de pesquisa, que têm mapeado o desmatamento e são importantes para conservação ambiental”, realçou.

“Temos aqui uma política que é ao mesmo tempo de desmontagem das estrutras que fiscalizam, que organizam, que estudam o meio ambiente. E por outro lado, uma política de ódios relativa a todas as minorias”, argumentou Natálio, completando que estas medidas são “algo muito específico do Governo de Bolsonaro”, e defendendo que a política do PT também foi bastante “nociva”, “sobretudo durante o Governo da Dilma”.

“Não se pode dizer que só há desmatamento agora. Evidente que não. Mas é muito diferente e muito mais pernicioso e destrutivo o discurso de ódio [em relação aos indígenas] que Bolsonaro tem praticado”, concluiu a ativista do Fórum Indígena.