Zangam-se as comadres?


É hoje claro que o perfil de governação à vista transformou a política num exercício errático, predominantemente simbólico e com pouca sustentabilidade das opções adotadas.


O crepúsculo poente das férias faz emergir uma intensificação do ambiente eleitoral em que são evidentes traços, ensaiados ou genuínos, de zanga das comadres políticas que geriram o condomínio nos últimos anos, com plena responsabilidade sobre todas as expressões da governação. Tal como em qualquer passagem de caravana, são mais os cães que ladram, mas não mordem, do que os que se constituem em risco real para as canelas.

É hoje evidente que António Costa quer uma maioria absoluta nas próximas eleições legislativas, mas que parte do seu governo convive bem com soluções à esquerda que não são extensíveis à construção europeia, à NATO e a outras dimensões relevantes do funcionamento da sociedade portuguesa com equilíbrio e com foco no essencial: as pessoas e os territórios.

É hoje claro que o perfil de governação à vista transformou a política num exercício errático, predominantemente simbólico e com pouca sustentabilidade das opções adotadas. É esse o caminho de segmentação da realidade, do foco em questões acessórias e de inconsistência das respostas para as grandes preocupações das pessoas em muitos espaços do território nacional, por vezes, com ausência de critério geral de justiça social, que se pretende continuar a seguir?

Por muita habilidade, sorte e potencial de jogo de cintura que exista, um quadro internacional favorável e uma inexistência política de oposição não é replicável por muito tempo. Entre os aprisionados políticos dos compromissos com a governação, no bom e no mau, e a direita em processo de autodestruição como espaço de alternativa, António Costa emerge como o protagonista soberano para pôr e dispor, sujeito a ténue escrutínio e com crescente influência em pilares essenciais do funcionamento da sociedade portuguesa. Em boa parte, só precisa da confirmação democrática da maioria absoluta, tal é a margem de arbítrio, de proteção e de influência, direta ou por interpostas pessoas, que detém na sociedade portuguesa.

A maioria absoluta permitiria reforçar o poder de decisão política, disciplinar alguns setores do PS endeusados com o Bloco de Esquerda, onde poderiam militar sem nenhuma espécie de urticária, e superar bloqueios que estão na agenda da governação futura, alguns relacionados com setores que estiveram na génese da candidatura de candidatura de António Costa à liderança do PS, nada confortáveis com as derivas da governação sustentada por BE,PCP e PEV ou pelas reorientações resultantes da emergência reforçada do PAN ao ponto de poder ser parte da futura solução governativa.

Costa quis ganhar em 2015, não ganhou, mas governou com plano B. Costa quer ganhar com maioria absoluta em 2019, mas já deve ter planos B, C e D para a eventualidade do poder conferido ao BE ter sido um excesso com sequelas eleitorais e do poder exaurido ao PCP ter sido um abuso em sentido contrário, arredando-o de ser parte da solução.

O quadro político, pela anulação das alternativas ou por excesso de ativismo mediático dos intervenientes, é dos mais favoráveis à maioria absoluta na história da democracia portuguesa. Só falta mesmo a dramatização, a motivação dos eleitores para agir em função da referência política da governação anterior negativa, da esperança gerada pelo protagonista e pelas suas propostas políticas ou pelos riscos existentes no horizonte. Aqui, pode residir a chave da maioria absoluta, mas também o risco de, pela radicalização e pela dramatização excessiva, poder inviabilizar soluções de governo que reforçam eleitoralmente o Partido Socialista em detrimento dos partidos à sua esquerda, como aconteceu nas eleições autárquicas de 2017 em alguns pontos do território.

O nível de zanga das comadres, seguindo um guião ou sendo genuíno, é decisivo para perceber o quadro de referência das soluções de governo pós-eleições, influindo ainda nas dinâmicas internas de sucessão de António Costa como líder do PS. É que gosta pouco de não poder pôr e dispor como bem entende, sempre sem pagar faturas do exercício. A praia, agora que as férias se esvaem para muitos, é poder jogar em vários tabuleiros, em função das circunstâncias, com máxima proteção, zero escrutínio e um mar de habilidades. Daí a importância da maioria absoluta, também para reduzir margem a Belém, parte não controlável da equação política.

Em suma, tudo pela maioria absoluta. Não acontecendo, tudo pela continuação de uma posição dominante, sustentada à esquerda ou à direita, por estados de necessidade que se somam ao instinto de sobrevivência política de quem não ganhou em 2015, quando dizia ser fácil, e pode não ganhar com maioria absoluta em 2019, quando como poucos tiveram um quadro político tão favorável. Habilidade política deve ser isso.

Notas Finais: 

Em baixo. A Amazónia está a arder. A Amazónia sempre ardeu, mas agora tem inspiração presidencial e teve inação até o Mundo despertar. Andamos a sobressaltar-nos tarde e a más horas. Cá, como nos diversos lás, as redes sociais e a velocidade da informação fidedigna tem de suscitar mais antecipação, mais reação e maior ação.

Ao Lado. A discussão sobre os WC’s inclusivos foi mais um exercício de distração coletiva do essencial. E o essencial é que a maioria das casas de banho das escolas públicas não têm as condições de dignidade e de salubridade mínimas para serem utilizadas pelas crianças e jovens de qualquer género. Havia toda uma discussão prévia a ser feita, sobre a razão que faz com que muitas crianças, só em caso de necessidade extrema as utilizem ou esperem pelo regresso a casa para fazer o que precisam, mas isso era pedir demais. Era discutir a qualidade Escola Pública que queremos.

Á Margem. É corrente o apelo à criação de um ambiente positivo no futebol português. Este verão, as claques foram tema de discussão pública com eloquentes apelos institucionais. É inaceitável que jornadas após jornada, jogo após jogo, claques persistam numa incitação ao ódio e ao insulto que preenche mais de 30% dos seus cânticos. Não tem nada a ver com rivalidade, é puro insulto com a anuência dos poderes do futebol. E depois, lamentam-se dos radicalismos que minam o espetáculo e o negócio.

 

Escreve à segunda-feira