A última semana foi o corolário de uma greve que antes de ser já o era, tal a dramatização que a precedeu. Apanhados desprevenidos na greve de Abril, os portugueses, governantes incluídos, despertaram para o conflito laboral de uma classe, os motoristas, até então ignorada; em Agosto, todos se precaveram, talvez exageradamente, contra os inconvenientes que daí adviessem. Iniciada a badalada greve, fomos bombardeados toda a semana com o cacarejar intolerável de dois galos na capoeira cujo estardalhaço mais não fez do que esparvoeirar o galináceo, os trabalhadores que, como sempre, são a parte mais fraca na contenda: dois advogados aparentemente pouco calhados para a advocacia – mais risível, sem dúvida, o armado em motorista-sindicalista – entretiveram-se a debitar palpites e mútuas acusações e a dar-nos cabo da paciência. Finalmente, o domingo entardeceu com o anunciado fim da greve.
Enquanto iam escorrendo dias de um Agosto chocho, pouco chegado a banhos, um pouco por todo o lado iam desfilando festivais, festas e romarias, que nisso o Minho leva a palma, ou não fossem estas gentes muito dadas ao folguedo. A envolvente também ajuda: espalhafato de verdes e garridice, montes, serras e penedias, mar espevitado e rios a morrer nele deleitosos, tudo puxa à celebração. Assim, na aldeia de Arga de Baixo, em plena serra d’Arga, na Casa do Marco, bonito exemplar da arquitectura tradicional minhota e residência do pintor, escultor e ceramista Mário Rocha, que decidiu transformá-la em galeria de arte moderna, decorre ainda (até dia 25 p.f.) a exposição “Arte na Leira”, interessantíssima! Várias e variadas obras do artista anfitrião juntam-se a muitas outras de artistas igualmente consagrados – Jaime Silva, Jaime Isidoro, Luís Coquenão, Paulo Neves, etc. –, expostas em perfeita harmonia com o cenário rural que as envolve. E para que conste, a “Arte na Leira” vai já na 21.a edição. Para o ano há mais.
Se em Arga de Baixo dá gosto atravessar a aldeia, pois são muitas e bem ataviadas as casas tradicionais de pedra e alpendre, é de aproveitar o ensejo para dar um pulo a Arga de São João, a visitar o Mosteiro de São João d’Arga, curioso conjunto medieval de capela rodeada de albergues para romeiros. É famosa a romaria que aqui se realiza em final de Agosto e dela reza história: o mosteiro fica no fundo do monte que os romeiros têm de descer e, em chegados, devem dar três voltas à capela e depois entregar duas esmolas, uma ao santo e outra ao diabo. Delicioso.
Nestas andanças vai-se percorrendo a serra d’Arga e perdendo na vastidão das paisagens. Por entre maciços graníticos, enormes rochas arredondadas pela erosão e espantosamente encavalitadas, rompem matos e delicadas flores silvestres a salpicar de cor os cumes agrestes que se amenizam nas encostas onde lameiros e bosques se ajeitam na proximidade das pitorescas aldeias; bosques de coníferas e folhosas em sã convivência com taciturnos eucaliptos, cabisbaixos. E, de repente, numa curva da estrada rasga-se-nos a vista do rio que corre remansoso e entra mar adentro. E um espectáculo de verdes e azuis emerge aos nossos olhos; parece pintura, mas não é. Termina-se o passeio numa das praias, Moledo é já ali. Faz-se uma pausa para dessedentar, e o olhar vagueia até ao Forte da Ínsua, no ilhéu que lhe dá o nome, classificado como Monumento Nacional desde 1910.
Gestora
Escreve quinzenalmente, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990