O Diabo e a bissetriz à beira-Tejo


O PS cometerá um enorme erro se decidir não apresentar, em 2020, um candidato próprio à próxima eleição presidencial, capaz de suscitar o apoio do eleitorado de esquerda.


O sonho de Marcelo PR é ser reeleito, em 2021, com o apoio activo ou passivo do PS, isolando desse modo os partidos mais à esquerda (BE e PCP) e reivindicando para si uma ampla vitória do “bloco central”, por ele personificado. E por isso direi que o PS cometerá um enorme erro político se decidir não apresentar, em 2020, um candidato próprio à próxima eleição presidencial, capaz de suscitar o apoio do eleitorado de esquerda ou na primeira ou, eventualmente, numa segunda volta. A exótica cumplicidade entre o actual chefe do Estado e comandante supremo das FFAA e o actual presidente do Parlamento não pode condicionar o PS.

Ora, é justamente essa tão exótica cumplicidade que Marcelo PR quer consolidar, cultivando o seu deveras “improvável” amigo e apoiante Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da AR e ex-embaixador de Portugal junto da OCDE, em Paris, cada vez mais satisfeito com as mordomias inerentes à função que exerce e desejoso de ser reeleito para presidir ao Parlamento, após as eleições legislativas.

A bifalhada entre ambos à beira-Tejo, numa cervejaria, foi obviamente encenada por Marcelo e lavrada em acta, na Revista do Expresso, pela “tão certa secretária” que o semanário escolheu como sua correspondente no Palácio de Belém e cujo empenho na reeleição de Marcelo PR está na razão inversa da imparcialidade que o jornalismo profissional reclama, pelo menos em princípio. É ela, aliás, que revela candidamente o objectivo dessa bifalhada entre Marcelo PR e Ferro PAR quando escreve, às tantas, isto: “Nenhum dos dois assume o interesse político bilateral em ter alimentado uma relação que hoje se confirma ser vantajosa para os dois lados (Marcelo apoia a recandidatura de Ferro e Ferro apoia a recandidatura de Marcelo, com António Costa e o PS a ganharem com isso)”. Mas o PS ganha o quê?

Toda esta história, que não passa de um hino à hipocrisia, poderia ter como título “A escola do elogio mútuo”, inventada e glosada com manifesto sentido de humor, no bar da AAFDL (associação de estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa), pelos meus amigos Nuno Brederode Santos e António Russo Dias, infelizmente já falecidos. A perversidade de Marcelo PR é ilimitada. Por um lado, invoca um irmão, estudante em Económicas, que lhe “falava de um grande líder da esquerda, que era aqui o nosso presidente” (Ferro, está-se mesmo a ver!). Por outro lado, sabe-se o que, em 2002, Marcelo comentador da TVI dizia de Ferro Rodrigues quando este sucedeu a António Guterres na liderança do PS: que Ferro era “um aselha” que “andava aos ziguezagues”, “sem habilidade ou estratégia política”… Ferro replica como pode às descortesias e às antigas e actuais cortesias de Marcelo, mas sem lograr alcançar quer as alturas quer a perversidade dum autêntico “Presidente tablóide”!

Mas a mais funda perversidade de Marcelo PR que consigo extrair da bifalhada à beira-Tejo é quando Ferro Rodrigues revela que, “mal foi eleito e mesmo antes de tomar posse, o Presidente Marcelo foi ao Parlamento falar comigo e tivemos uma conversa longa”. É então que Marcelo confessa ter percebido logo que Ferro era “o candidato certo para presidente do Parlamento naquela conjuntura”. E isto porque Ferro “fazia a bissetriz da nova solução política”, ou seja, “era alguém de dentro do PS” que podia “abrir para a nova realidade, que era inédita”, e que “depois teria de fazer o percurso de englobar a realidade que era o outro hemisfério político”. Em suma, já perceberam? Não, não é um novo episódio da velha série de TV A Quinta Dimensão! Mas Marcelo PR acabou por atribuir, involuntariamente, um belo cognome ao presidente da AR: Eduardo Ferro Rodrigues, O Bissetriz…

São assim as verdadeiras andanças do Diabo! E se do Diabo saberei pouco, talvez saiba algo mais do que o Passos Coelho. É que, entre outras obras mais ou menos luciferinas nas estantes da minha biblioteca, está o clássico de Giovanni Papini (1881-1956) intitulado Il Diavolo (O Diabo). Ora, a páginas tantas, Papini cita um apologista do Diabo, o jovem médico e filósofo João Benjamim Erhard (1776-1827), o qual, numa obra escrita em 1795, aos 29 anos, expõe “as sete regras de vida que teriam derivado de uma moral consciente da pura Malignidade”:

1. Não sejas veraz e, contudo, faz por parecê-lo. Porque, se fores veraz, os outros podem contar contigo e tu serves aos outros, mas eles não te servem a ti. 

2. Não reconheças propriedade alguma, mas afirma que a propriedade é sagrada e inviolável e apropria-te de quanto possas. Se conseguires possuir tudo como teu, sem contestação, tudo dependerá de ti.

3. Serve-te da moralidade alheia como de um instrumento para os teus fins.

4. Instiga cada qual ao pecado enquanto pareças reconhecer a moralidade como necessária.

5. Não ames a ninguém.

6. Faz infeliz todo aquele que não queira depender de ti.

7. Sê plenamente coerente e não te arrependas jamais de coisa alguma. O que decidiste uma vez, fá-lo sem tergiversar, aconteça o que acontecer. Assim provas a tua independência e, pela igualdade do teu proceder, tomas a aparência de um homem justo, o que é um meio hábil de fazeres dos outros teus escravos antes de eles darem por isso.

Ora, segundo Giovanni Papini, estas sete máximas que, no pensamento de Erhard, deviam ser ficções hipotéticas de uma moralidade baseada no puro Mal, são cada dia aplicadas, sob os nossos olhos, por grande parte da “nossa venerável espécie”. E não só a dos embusteiros e dos malfeitores, mas a de uma maioria de “pessoas respeitáveis”, entre as quais não faltam homens políticos e homens de negócios, condutores de massas e, por último, Governos inteiros. Só faltou a Giovanni Papini acrescentar, a esta lista, certos jornalistas sempre prontos a fazer fretes…

Mas o verdadeiro Diabo é assim: dissimulador, manipulador, perverso e ruim!

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

O Diabo e a bissetriz à beira-Tejo


O PS cometerá um enorme erro se decidir não apresentar, em 2020, um candidato próprio à próxima eleição presidencial, capaz de suscitar o apoio do eleitorado de esquerda.


O sonho de Marcelo PR é ser reeleito, em 2021, com o apoio activo ou passivo do PS, isolando desse modo os partidos mais à esquerda (BE e PCP) e reivindicando para si uma ampla vitória do “bloco central”, por ele personificado. E por isso direi que o PS cometerá um enorme erro político se decidir não apresentar, em 2020, um candidato próprio à próxima eleição presidencial, capaz de suscitar o apoio do eleitorado de esquerda ou na primeira ou, eventualmente, numa segunda volta. A exótica cumplicidade entre o actual chefe do Estado e comandante supremo das FFAA e o actual presidente do Parlamento não pode condicionar o PS.

Ora, é justamente essa tão exótica cumplicidade que Marcelo PR quer consolidar, cultivando o seu deveras “improvável” amigo e apoiante Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da AR e ex-embaixador de Portugal junto da OCDE, em Paris, cada vez mais satisfeito com as mordomias inerentes à função que exerce e desejoso de ser reeleito para presidir ao Parlamento, após as eleições legislativas.

A bifalhada entre ambos à beira-Tejo, numa cervejaria, foi obviamente encenada por Marcelo e lavrada em acta, na Revista do Expresso, pela “tão certa secretária” que o semanário escolheu como sua correspondente no Palácio de Belém e cujo empenho na reeleição de Marcelo PR está na razão inversa da imparcialidade que o jornalismo profissional reclama, pelo menos em princípio. É ela, aliás, que revela candidamente o objectivo dessa bifalhada entre Marcelo PR e Ferro PAR quando escreve, às tantas, isto: “Nenhum dos dois assume o interesse político bilateral em ter alimentado uma relação que hoje se confirma ser vantajosa para os dois lados (Marcelo apoia a recandidatura de Ferro e Ferro apoia a recandidatura de Marcelo, com António Costa e o PS a ganharem com isso)”. Mas o PS ganha o quê?

Toda esta história, que não passa de um hino à hipocrisia, poderia ter como título “A escola do elogio mútuo”, inventada e glosada com manifesto sentido de humor, no bar da AAFDL (associação de estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa), pelos meus amigos Nuno Brederode Santos e António Russo Dias, infelizmente já falecidos. A perversidade de Marcelo PR é ilimitada. Por um lado, invoca um irmão, estudante em Económicas, que lhe “falava de um grande líder da esquerda, que era aqui o nosso presidente” (Ferro, está-se mesmo a ver!). Por outro lado, sabe-se o que, em 2002, Marcelo comentador da TVI dizia de Ferro Rodrigues quando este sucedeu a António Guterres na liderança do PS: que Ferro era “um aselha” que “andava aos ziguezagues”, “sem habilidade ou estratégia política”… Ferro replica como pode às descortesias e às antigas e actuais cortesias de Marcelo, mas sem lograr alcançar quer as alturas quer a perversidade dum autêntico “Presidente tablóide”!

Mas a mais funda perversidade de Marcelo PR que consigo extrair da bifalhada à beira-Tejo é quando Ferro Rodrigues revela que, “mal foi eleito e mesmo antes de tomar posse, o Presidente Marcelo foi ao Parlamento falar comigo e tivemos uma conversa longa”. É então que Marcelo confessa ter percebido logo que Ferro era “o candidato certo para presidente do Parlamento naquela conjuntura”. E isto porque Ferro “fazia a bissetriz da nova solução política”, ou seja, “era alguém de dentro do PS” que podia “abrir para a nova realidade, que era inédita”, e que “depois teria de fazer o percurso de englobar a realidade que era o outro hemisfério político”. Em suma, já perceberam? Não, não é um novo episódio da velha série de TV A Quinta Dimensão! Mas Marcelo PR acabou por atribuir, involuntariamente, um belo cognome ao presidente da AR: Eduardo Ferro Rodrigues, O Bissetriz…

São assim as verdadeiras andanças do Diabo! E se do Diabo saberei pouco, talvez saiba algo mais do que o Passos Coelho. É que, entre outras obras mais ou menos luciferinas nas estantes da minha biblioteca, está o clássico de Giovanni Papini (1881-1956) intitulado Il Diavolo (O Diabo). Ora, a páginas tantas, Papini cita um apologista do Diabo, o jovem médico e filósofo João Benjamim Erhard (1776-1827), o qual, numa obra escrita em 1795, aos 29 anos, expõe “as sete regras de vida que teriam derivado de uma moral consciente da pura Malignidade”:

1. Não sejas veraz e, contudo, faz por parecê-lo. Porque, se fores veraz, os outros podem contar contigo e tu serves aos outros, mas eles não te servem a ti. 

2. Não reconheças propriedade alguma, mas afirma que a propriedade é sagrada e inviolável e apropria-te de quanto possas. Se conseguires possuir tudo como teu, sem contestação, tudo dependerá de ti.

3. Serve-te da moralidade alheia como de um instrumento para os teus fins.

4. Instiga cada qual ao pecado enquanto pareças reconhecer a moralidade como necessária.

5. Não ames a ninguém.

6. Faz infeliz todo aquele que não queira depender de ti.

7. Sê plenamente coerente e não te arrependas jamais de coisa alguma. O que decidiste uma vez, fá-lo sem tergiversar, aconteça o que acontecer. Assim provas a tua independência e, pela igualdade do teu proceder, tomas a aparência de um homem justo, o que é um meio hábil de fazeres dos outros teus escravos antes de eles darem por isso.

Ora, segundo Giovanni Papini, estas sete máximas que, no pensamento de Erhard, deviam ser ficções hipotéticas de uma moralidade baseada no puro Mal, são cada dia aplicadas, sob os nossos olhos, por grande parte da “nossa venerável espécie”. E não só a dos embusteiros e dos malfeitores, mas a de uma maioria de “pessoas respeitáveis”, entre as quais não faltam homens políticos e homens de negócios, condutores de massas e, por último, Governos inteiros. Só faltou a Giovanni Papini acrescentar, a esta lista, certos jornalistas sempre prontos a fazer fretes…

Mas o verdadeiro Diabo é assim: dissimulador, manipulador, perverso e ruim!

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990