Na linguagem política, já quer dizer só agora ou finalmente


O já deve ser evitado porquanto induz em erro os incautos que evitam pensar no tempo que se leva em Portugal para resolver os problemas, mesmo os mais graves.


1. Em bom rigor, os portugueses aplicam o já de uma forma absolutamente disfuncional. Já significa agora ou imediatamente. Mas no politiquês, nomeadamente no do Governo de António Costa, tem um sentido absolutamente deturpado que os próprios média aceitam ao utilizá-lo sistematicamente em vez de dizerem ou escreverem finalmente, que é a palavra certa para a maioria dos casos.

Exemplos não faltam em títulos ou antetítulos. Veja-se: “O Governo já determinou a abertura de concurso para as obras do IPO do Porto”. “O Governo já decidiu a compra de mais uns quantos comboios que serão entregues já no ano de 2022”. “O Governo já mandou para o Presidente da República aquela lei que estava por regulamentar há três anos e que enquadra a carreira desta ou daquela profissão”. “O Governo já decidiu contratar mais profissionais para a Segurança Social, a fim de pôr em ordem os atrasos das pensões que se arrastam há dois anos”. “O Governo já respondeu à provedora de Justiça, que há dois anos esperava para saber qual o tempo médio das listas de espera na saúde”. “O tribunal já decidiu arrestar os bens de Joe Berardo”. Ainda na segunda-feira havia quem noticiasse que o Governo já tinha autorizado a contratação de 1424 profissionais de saúde. Já, já, já… repetidamente já! Sempre já! Deveria dizer-se finalmente. Os jornalistas menos atentos comem e calam. O já é uma patranha e uma armadilha linguística que deveria ser evitada o mais possível nas notícias e até na nossa linguagem comum, dada a forma como muitas vezes induz os incautos em erro. A utilização correta do já deveria ser ensinada.

2. Luís Marques Mendes defende que os membros do Governo deveriam ser sujeitos a uma audiência prévia para determinar se têm ou não incompatibilidades pessoais ou familiares que os impeçam de ser membros do governo. A ideia não é inédita e existe, por exemplo, nos Estados Unidos e em Inglaterra, onde, aliás, para se ser membro do Governo é preciso ser deputado e portanto ter, desde logo, uma base de legitimidade democrática. A ideia do ex-líder social-democrata merece ser considerada atentamente, mas o mais certo é nunca vingar.

3. O secretário de Estado da Proteção Civil não se demitiu ainda nem foi demitido depois do caso das golas e das incompatibilidades. Lamentável! Está desautorizado e contaminou o ministro, no momento mais agudo dos incêndios. Cabe recordar que houve três secretários de Estado que se demitiram depois de terem aceitado convites para ir ver jogos da seleção de futebol. Convenhamos que o caso que envolve o filho de José Artur Neves é bem mais grave e complexo.

4. O Bloco de Esquerda não para de surpreender com as suas propostas. Uma das mais recentes tem a ver com o pedido para que o Governo desmarque a visita que Bolsonaro deve fazer a Portugal no ano que vem. Bolsonaro não é, seguramente, uma figura muito recomendável. Seja como for, foi eleito Presidente do Brasil, um país democrático. Claro que não se sujeitou a uma campanha eleitoral tradicional, usou e abusou das redes sociais e fugiu dos debates, mas isso não impediu que fosse escolhido. E também não foi ele quem decidiu prender Lula ou destituir Dilma. Além disso, há laços políticos especialíssimos, ainda que mais simbólicos do que reais, entre Portugal e Brasil, uma vez que as relações entre ambos estão mais ao nível das pessoas do que das instituições. O Bloco perdeu uma boa ocasião para estar calado, até porque se calou e pactuou com tantas coisas bem mais graves do que uma visita de Estado, começando pela complacência com o desmando da Segurança Social e as penalizações absurdas a certos reformados.

5. Chegámos ao pino do verão e continuamos à espera que se saiba em concreto o que se passa com o Montepio, as suas contas, a sua estrutura e algumas idoneidades. O ministro Vieira da Silva, que tutelou a instituição, já descartou o assunto para o novo regulador, a ASF. Melhor: o ministro já disse que não quer permanecer no Governo. Depois de tanto desastre, incompetência, casos estranhos na sua tutela e de prejudicar os reformados nos atrasos no pagamento de pensões, era o que faltava que a criatura ficasse no Governo. O mais certo, porém, é reaparecer noutro lado e, um dia, se for chamado a uma comissão de inquérito parlamentar, ser daqueles que não se lembram ou não têm ideia.

6. Está no ar há um tempo a Rádio Observador. Tem bons conteúdos e potencial de crescimento. Tem rubricas interessantes, bons comentadores e bons jornalistas. A locução de noticiários é fraca, mas pode melhorar. O posicionamento político coincide com o do jornal digital, situando-se à direita na opinião e na abordagem noticiosa. O grupo do Observador tem crescido e ganhado influência, embora ainda não tenha ainda sido ele que descobriu o modelo de negócio que permita ganhar dinheiro na era digital. Voltando à rádio, faltam-lhe ainda aspetos estéticos e sonoros que são um fator decisivo para o sucesso. Um bom conteúdo tem de ter uma embalagem cuidada.

 

Escreve à quarta-feira