Foram – como são sempre – 128 quilómetros de consagração. Neste caso, porém, o guião assume contornos dignos de um candidato aos Oscares nos glamourosos palcos de Hollywood. A vitória final do Tour, uma das três grandes provas do circuito internacional de ciclismo, sorriu a Egan Bernal, um simpático colombiano de 22 anos que passou para a frente da competição apenas na antepenúltima etapa.
A imagem final de sábado funciona como epílogo perfeito para a edição 106 da Volta a França. Numa altura em que já estava ciente de que iria continuar com a camisola amarela vestida até ao fim da prova, Bernal cruzou a meta agarrado a Geraint Thomas, seu colega na INEOS e vencedor da edição de 2018, numa perfeita passagem de testemunho. “Disse-lhe: ‘Aproveita, desfruta de tudo. E não tenhas problemas em chorar, todos os homens de verdade choram”, contou depois o britânico.
Este domingo, na etapa que liga Rambouillet a Paris e que termina com o champanhe e os confétis nos majestosos cenários dos Campos Elísios, Bernal não vacilou. O pódio, de resto, ficou inalterado: o colombiano terminou com 1.11 minutos de avanço sobre Geraint Thomas e 1.31 sobre o holandês Steven Kruijswijk, da Jumbo-Visma.
Da televisão ao champanhe “Acho que o meu país deve estar a celebrar. Sinto que não é um triunfo só meu, mas de todo o país, e isso deixa-me muito contente. Seria para mim uma honra vencer o primeiro Tour para a Colômbia. Há uns anos via o Tour com o meu pai pela televisão e parecia algo impossível de alcançar. Agora estou aqui”, dizia Bernal no fim da penúltima etapa, aquela onde se decidiu (quase) tudo. Na véspera, depois de alcançar pela primeira vez o objetivo de ter a camisola amarela no corpo, o ciclista colombiano não conseguira conter as emoções – as lágrimas a rolar pela face foram uma constante nas várias situações de conversa com a comunicação social que se seguiram à corrida.
Talvez seja preciso, ainda assim, perceber de onde surge Egan Bernal para se ter uma noção real do que significa o triunfo que faz do colombiano o mais jovem vencedor do Tour nos últimos 84 anos – e o quarto mais jovem de sempre, numa lista liderada por Henri Cornet, que o conseguiu em 1904, na segunda edição da prova, duas semanas antes de completar 20 anos. Nascido em Bogotá, mas criado em Zipaquirá, a 25 quilómetros da capital e situado a 2700 metros de altitude, o herdeiro de uma longa tradição de “escaravelhos” – designação atribuída ainda na década de 50 aos colombianos que se destacavam nomeadamente nas provas de altitude – chegou a pedir dinheiro nas redes sociais para poder participar no Mundial da Noruega, em 2014 “Sou um jovem ciclista de montanha com grandes sonhos e metas. Quero mostrar que a Colômbia tem um grande potencial na modalidade. Ajudem-me a tornar estes objetivos reais e assim fazer com que o nosso país seja conhecido por coisas boas como esta”, dizia na mensagem publicada então.
Bernal conseguiria mesmo participar na referida prova, onde apesar da quase nula experiência internacional alcançou mesmo a medalha de prata. Em 2016, com 19 anos, assinou pela italiana Androni Giocatolli-Sidermec, e a boa temporada em 2017, com vitória na Volta à Roménia e principalmente na Volta do Futuro (prova semelhante ao Tour, mas apenas para ciclistas com menos de 23 anos), valeu-lhe um convite da Sky, onde viria a dar nas vistas logo em fevereiro ao vencer a Volta à Colômbia, à frente do consagrado Nairo Quintana… e apesar de o líder da equipa ser Sergio Henao.
A meta atingida na primavera Seguir-se-ia a vitória na Volta à Califórnia e a primeira participação no Tour – limitado à missão de apoiar os candidatos Chris Froome e Geraint Thomas, terminou ainda assim num promissor 15.º posto. Já este ano, começou a assumir o protagonismo ao vencer Paris-Nice e a Volta à Suíça, beneficiando da lesão de Froome para subir na hierarquia da agora denominada INEOS, com um objetivo específico: a Volta… a Itália. Uma clavícula fraturada, porém, tirou-o do Giro. “Se calhar aconteceu por uma razão. Não sei se foi o destino ou outra coisa qualquer, mas se não tivesse caído antes do Giro, provavelmente não estaria agora prestes a ganhar o Tour”, dizia Bernal no sábado.
Florites, a mãe de Egan, é natural de Pacho, pequena localidade situada 3600 metros acima do nível do mar. De acordo com a progenitora, o jovem colocou como objetivo ir da sua Zipaquirá a Pacho em menos de uma hora; se o conseguisse, estava apto a vencer o Tour. Pois bem: esta primavera, fez o percurso em 56 minutos.
Este domingo, Bernal ganhou o Tour, granjeando um prémio de 500 mil euros para a INEOS (mais 20 mil por terminar como melhor jovem e outros 15 mil por ser segundo na classificação de montanha). E ganhou também um lugar no panteão dos imortais e no coração dos colombianos. Depois de Fabio Parra, Lucho Herrera, Santiago Botero, Vítor Hugo Peña, Fernando Gaviria, Miguel Ángel Supermán López, Nairo Quintana e Rigoberto Urán, parece que o escaravelho chegou finalmente ao estado final de evolução.