TdC deteta desvios no fundo de apoio a Pedrógão

TdC deteta desvios no fundo de apoio a Pedrógão


Juízes alertam que critérios “imprecisos” não garantem que “os apoios tenham sido concedidos apenas aos beneficiários”. Regras para considerar o que são habitações permanentes foram alteradas a meio do processo. 


O Tribunal de Contas (TdC) detetou falta de “transparência” e “desvios” na distribuição das verbas e dos bens do Fundo Revita, criado pelo Governo para apoiar a reconstrução ou o recheio das casas que arderam em Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, nos incêndios de 2017.

Os juízes do TdC alertam que os critérios definidos para a distribuição das verbas e dos bens são “imprecisos” e não garantem que “os apoios tenham sido concedidos apenas aos beneficiários e situações que cumpriam os critérios da ajuda”. Ou seja, os juízes detetaram falta de controlo na distribuição dos apoios, sendo uma porta aberta para a atribuição de verbas e bens a pessoas que não preenchiam os critérios definidos para receberem a ajuda.  

Estas são algumas das conclusões do Tribunal de Contas que esta sexta-feira divulga o relatório de auditoria que analisou o acompanhamento e o sistema de controlo aplicado na distribuição do Fundo Revita. Auditoria que foi, aliás, solicitada aos juízes do TdC pelo Parlamento.

As conclusões dos juízes vêm agora reforçar as denúncias de burlas que em 2018 chegaram à comunicação social e que deram origem a um inquérito do Ministério Público, que, no início deste mês, deduziu acusação contra 28 dos 44 arguidos envolvidos no processo. A auditoria do TdC decorreu em paralelo à investigação do MP.  

 

Regulamentar a ajuda humanitária

Para evitar que de futuro estas situações se repitam, os juízes recomendam ao Governo e à Assembleia da República que crie uma lei para regular a ajuda humanitária e solidária. Nesse diploma devem ser definidas regras para a definição de critérios de ajuda e normas sobre a transparência. A mesma lei deve ainda definir qual o papel do Estado “em termos de coordenação e acompanhamento” e um “controlo financeiro público”, mesmo “quando os fundos provenham exclusivamente de donativos privados”, lê-se no relatório da auditoria.

Além disso, os juízes aconselham a criação, por parte do Governo e do Parlamento, de um sistema de “auxílio à reconstrução e reabilitação na sequência de calamidades”, onde esteja definida de “forma clara” a divisão das responsabilidades das entidades e dos recursos envolvidos. Por fim, os juízes chamam à atenção para a necessidade de regular a articulação e partilha de informação entre as entidades envolvidas neste sistema.

Ao conselho de gestão do Fundo Revita – composto por um representante do Instituto da Segurança Social, outro das três câmaras municipais envolvidas, a que se soma um representante designado pelas IPSS e pelos bombeiros – os juízes do TdC recomendam que sejam publicados todos os apoios concedidos e que sejam usadas as verbas ainda disponíveis, “num prazo compatível com a premência dessas necessidades”.

 

Falta de clareza

Foram várias as suspeitas e irregularidades detetadas pelo TdC, sobretudo no que diz respeito ao processo de distribuição de casas a intervencionar através do Fundo Revita – 99 habitações dos três concelhos, Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos. 

Os auditores detetaram casos em que houve “informalidade e falta de clareza” no processo que definia as casas que iriam sofrer obras.

Além disso, os juízes encontraram “insuficiências de controlo e transparência” para a distribuição dos apoios na reconstrução das casas, não tendo sido definida também qualquer prioridade para a distribuição das verbas, atendendo ao nível de urgência dos requerentes.

A documentação exigida “não era apta à comprovação do cumprimento dos critérios de acesso” ao Fundo. E os processos de verificação dos documentos “foram deficientes”, havendo “insuficiências de análise” e ausência de “controlo in loco”, acabando por ter como base as declarações dos requerentes do apoio e dos municípios. Validações  “pouco substanciais”, rematam os juízes.

 

Mudança de regras a meio do processo

Os auditores salientam ainda que os requisitos para o acesso ao Fundo foram “pouco transparentes” e “imprecisos”, sendo que este mecanismo “não se focou integralmente nas necessidades sociais”.

Além disso, as regras do Fundo sofreram alterações durante o processo. Inicialmente, o Revita foi criado pelo Governo para apoiar a reconstrução e apetrechamento das habitações. Mas, a meio do processo, foi “decidido apoiar prejuízos agrícolas”, para onde foram canalizados “58% dos fundos” – cerca de 3,4 milhões de euros – sem que tenha havido “qualquer controlo sobre a sua utilização e ajustamento aos objetivos”.

Os juízes salientam ainda que foram alterados os requisitos para classificar o que é considerado habitação permanente dos beneficiários, passando a ser exigido apenas uma declaração de domicílio fiscal e uma fatura de eletricidade. Critérios que foram alterados “já depois de apresentados muitos pedidos de apoio”.    

Também sobre a distribuição de bens foram detetadas irregularidades e desvios, sendo indeterminado o número de bens disponíveis no Revita. “O valor dos donativos em espécie não está claramente determinado”, alertam os juízes, que acrescentam que os municípios que receberam bens não declararam os donativos ao fundo.

 

Verbas do fundo por aplicar

No total, o Fundo Revita contou com um total de 7,3 milhões de euros, a que se somam bens para o recheio das habitações, doados por várias entidades, que ascendem a um valor de 600 mil euros.

As verbas foram transferidas para o_Revita por 63 entidades, totalizando 4,8 milhões de euros, a que se somaram 2,5 milhões de euros de receitas de jogos, transferidos pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

E destas verbas, os juízes encontraram mais de 1,4 milhões de euros por aplicar. Este montante estava registados em caixa e em depósitos bancários. Além disso, foram encontrados 300 mil euros de créditos a receber da Fundação Bancária La Caixa, também ainda por aplicar.

Das 249 habitações que arderam nos três concelhos, cabia ao Revita reconstruir 99 casas (26 em Castanheira de Pera, 18 em Figueiró dos Vinhos e 55 em Pedrógão Grande). Em maio, tinham sido gastos 2,5 milhões de euros na reconstrução de 79 casas, havendo ainda cinco em execução e as restantes 15 habitações estão suspensas. Decisão tomada pelo Conselho de Gestão do Revita na sequência das denúncias de fraude.

Para o recheio das habitações foram canalizados apenas 47 mil euros, ou seja, 1% do total das verbas do Revita. Verbas que foram aplicadas em apenas 42 habitações, estando ainda em falta outras 32 casas.

Foram apoiados 1.131 agricultores, na maioria de Pedrógão Grande, com valores transferidos entre 1.053,30 euros e os cinco mil euros.