A falta de efetivos na Polícia é um problema oculto. Consideram-se as estatísticas para fazer entender à população que somos um dos países com mais Polícias por cidadão. Isso não chega: o cidadão que desconta os seus impostos para também ter segurança quer é a polícia quando dela necessita e o certo é que a Polícia cada vez tem menos capacidade de resposta às solicitações do cidadão por falta de efetivo policial na rua.
Poderia ser feita uma restruturação nos serviços policiais, aumentando o efetivo dos quadros civis, pois muitos dos serviços administrativos existentes na P.S.P. poderiam, de facto, ser efetuados por civis, ou seja, funcionários da P.S.P. sem funções policiais; e, assim, quem tirasse o curso de Polícia seria unicamente Órgão de Polícia Criminal distribuído pelas diversas valências e horários. Esta poderá ser uma forma de aumentar o efetivo policial na rua, ou seja, no serviço operacional, mas esta restruturação será um processo moroso e urge o aumento de efetivo na rua.
A criminalidade mudou de tipo, tornou-se mais “profissional” e violenta, há mais premeditação e estudo de terreno por parte dos meliantes, e isso carece de uma prevenção mais eficaz e de um poder de resposta cada vez mais rápido – e isto só é possível se houver efetivo ao serviço na rua.
A título de exemplo, no dia 2 de julho de 2019, cerca das 21h40, em Santo António dos Cavaleiros, houve um furto de um ATM dentro de um centro comercial. O primeiro meio policial a chegar foram elementos da Investigação Criminal, cerca de 25 minutos após a comunicação do assalto a decorrer, pois estavam longe daquele local. A esquadra do Comando de Lisboa, adstrita ao local, fica a cerca de 2 km. Na área da esquadra existem 25 000 cidadãos recenseados. No entanto, não há efetivo; os poucos que ali prestam serviço na rua fazem patrulha apeada, pois não existem elementos suficientes para compor uma tripulação de carro-patrulha. E, por vezes, nem patrulha apeada há.
No final de junho de 2019, na Esquadra de Ermesinde, Comando do Porto, por motivo de doença de um elemento no turno das 08H00 às 16H00 ficou um Agente com cerca de 6 meses de serviço sozinho na Esquadra, a fazer de Graduado de Serviço, serviço que deverá ser desempenhado por um Chefe.
Nos Açores há muito que acontece existirem apenas 2 elementos ao serviço, 1 Agente de Graduado de Serviço em vez de um Chefe e um Agente em policiamento no carro-patrulha – CP, sendo que, quando existe comunicação de alguma situação mais complexa, o Agente do CP passa na Esquadra recolhe o elemento que está a fazer de Graduado de Serviço, fecham a Esquadra e vão os dois à ocorrência, não havendo muitas vezes reforço policial perto, caso seja necessário.
Na zona centro do país, onde as Esquadras distam entre si entre 20 e 30 km, entram ao serviço por turno quase sempre 3 elementos, 1 elemento de Graduado de Serviço e 2 elementos que compõem a tripulação do carro-patrulha.
Um dos sinais visíveis da falta de efetivo é a passagem de Esquadras a Postos de Atendimento, que fecham as portas à noite, e onde ficam apenas adidos ao local o Graduado de Serviço e o Sentinela, situação existente por todo o país e já notável na zona do distrito de Lisboa – o Comando com mais efetivo policial do país.
As Equipas de Intervenção Rápida – EIR, criadas para reforço dos elementos policiais no terreno em situações mais complexas, vivem o mesmo paradigma. Cada Divisão Policial deveria ter 5 equipas de intervenção rápida com efetivo de 8 elementos cada uma, para o eficiente funcionamento operacional em 24 horas, ou seja, para que estivesse sempre uma EIR a trabalhar. Presentemente, em muitos Comandos do país não existem 5 equipas por divisão, chegando a existir apenas 2 ou 3 equipas com 5 e 6 elementos. Isto parece algo insignificante, mas as EIR fazem reforço policial ao efetivo na rua e, além disso, são utilizadas para reforço de grandes eventos (futebol, concertos, festas, etc.).
O que acontece é que a falta de efetivo nas EIR leva a que os Comandantes, para darem resposta às necessidades, imponham aos elementos inúmeras trocas de horários e cortes de folgas, privando os mesmos de ter vida pessoal e familiar, pois nunca sabem quando e a que horas têm de ir trabalhar. Cumulativamente a isto, em alguns Comandos, as EIR fazem com frequência reforços a outros locais fora da sua área e, por vezes, fora do Comando, como aconteceu por motivo do evento da Liga das Nações, no Porto, em que houve diversos elementos de outros comandos a ir reforçar o Comando do Porto.
Situação idêntica vivem os elementos do Corpo de Intervenção, pertencentes à Unidade Especial de Polícia, que, por falta de efetivo policial, têm de avançar para fazer reforço, principalmente a grandes eventos, em diversos locais do país, tendo mesmo cortes de folgas e prejuízo horário.
Ora em 1996, quando entrei para a Polícia, entravam por ano, para o efetivo, nunca menos de 1000 elementos; a idade mínima para iniciar a carreira de Agente era de 21 anos e a máxima de 27 anos, sendo que, por desgaste rápido, tínhamos a reforma a 100% com 36 anos de serviço, o que permitia que os elementos que entrassem com 21 anos se reformassem com 50 anos.
Atualmente, nem sequer há cursos anuais e, quando há, o número de admissões é de cerca de 600 elementos. A idade de admissão é no mínimo de 19 anos e no máximo de 27 anos, sendo que a pré-aposentação tem sido apenas aos 60 anos, com reforma de 80%. Ou seja, o Governo deixou de considerar a profissão de Polícia como uma profissão de desgaste rápido.
O vencimento de um agente ronda os 750€ mensais líquidos, trabalhando por turnos, noites, domingos e feriados. Em 1996, quando acabava um curso de formação havia vagas para os Comandos da Madeira, Açores e Faro, e as transferências para o Comando do Porto (segundo maior Comando do país) duravam cerca de um ano. Atualmente, quando se acaba a formação policial, o início da carreira policial passa por Lisboa, maior Comando do país, não havendo outros Comandos para escolher, pois a falta de efetivo alargou o tempo de espera para as transferências de elementos entre Comandos. Exemplo disso é o tempo de transferência de Lisboa para o Porto: presentemente, cerca de 15 anos.
O envelhecimento do efetivo policial é notável: em certos Comandos, a média de idades já ronda os 45 anos. Por falta de efetivo, só deixam ir para a pré-reforma os elementos com 60 anos. Mas não quero deixar passar em branco que temos milhares de elementos a perfazer 60 anos nos próximos cinco anos. Além disso o Estatuto da P.S.P. prevê que os elementos passem à pré-reforma aos 55 anos, à imagem da G.N.R., o que não acontece. Para que este défice de pessoal fosse colmatado e o Estatuto fosse cumprido (pré-aposentação aos 55 anos) teriam de ser colocados no efetivo durante os próximos cinco anos pelo menos dois elementos para cada um que passasse à pré-aposentação.
Tem-se falado neste assunto mas, com as contenções orçamentais, este cenário é utópico. Alguém tem de refletir sobre este tema, pois o fosso está cada vez maior. Com o cenário atual, quem quer vir para a Polícia? O que querem da Polícia? Poucos elementos e velhos? Não chega fazer estatísticas e dizer que somos um país seguro. Temos de zelar pela segurança reforçando o efetivo policial na rua e munindo-o de condições materiais, para que tenha condições físicas e materiais para zelar pela segurança pública do cidadão.
* Presidente Organização Sindical dos Polícias