Estatuto do Cuidador Informal. O reconhecimento oficial de um ato  de amor

Estatuto do Cuidador Informal. O reconhecimento oficial de um ato de amor


Há aproximadamente 827 mil cuidadores informais em Portugal: pessoas que prestam cuidados a tempo inteiro a dependentes por amor. O que mudará na sua vida com o reconhecimento desta atividade?


O que é ser cuidador informal? Carla Catarina Neves, de 44 anos, descobriu a resposta para esta questão devido às circunstâncias da vida: há dez anos, abandonou a carreira no jornalismo radiofónico para tomar conta da avó e da tia a tempo inteiro. Há apenas umas semanas, começou a prestar assistência ao tio, que sofre de um cancro na bexiga, e também à prima. Na página “E de nós, quem cuida?” partilha “os momentos de desespero, de luta, de revolta, de discussões, mas também a partilha de pequenas conquistas e até de algumas dicas”. A resposta não oficial para a definição de cuidador informal é cuidar de alguém, por amor, preocupação e devido aos laços familiares, sem receber remuneração. Mas também há um conceito oficial: “O cônjuge ou unido de facto, parente ou afim até ao 4.o grau da linha reta ou da linha colateral da pessoa cuidada”.

Esta última (pessoa cuidada) sofre de alguma incapacidade que não lhe permite desenvolver ações básicas do quotidiano, necessárias à sobrevivência, de modo independente. No entanto, importa referir que a oficialização não é antiga. Data da última sexta-feira, dia em que o Estatuto do Cuidador Informal, que regula os direitos e os deveres do cuidador informal, assim como os da pessoa cuidada, foi aprovado por unanimidade no Parlamento. Na ótica da antiga jornalista, residente na Figueira da Foz, em declarações ao jornal i, “falta fazer muita coisa, mas é um primeiro passo”. A lei aprovada visa 827 mil cuidadores informais e entre 230 e 240 mil pessoas cuidadas em situação de dependência. No site da Assembleia da República é possível concluir que este texto de substituição resultou da união de esforços governamentais – o projeto “estabelece medidas de apoio ao cuidador informal e regula os direitos e os deveres do cuidador e da pessoa cuidada” – mas também partidários, com projetos de resolução do BE, do PCP, do CDS-PP, do PSD e do PAN.

No estudo “Medidas de Intervenção junto dos Cuidadores Informais”, datado de setembro do ano passado, é possível concluir que o trabalho dos cuidadores vale, aproximadamente, 333 milhões de euros por mês – ou seja, 4 mil milhões de euros por ano. Este estudo foi encomendado pelo Governo e serviu de suporte à decisão política, bem como à chegada a um consenso.

No Parlamento, o texto da Comissão de Trabalho e Segurança Social que define medidas de apoio ao cuidador informal, que resultou de uma proposta de lei e de contributos de vários partidos, foi aprovado em votação final. Entre outras medidas ficou definido um subsídio de apoio aos cuidadores, o descanso e como será traçada a carreira contributiva dos mesmos. Para Neves, o ponto referente ao descanso do cuidador não está bem legislado, na medida em que entre manter um doente em casa ou institucionalizá-lo existem obstáculos: “As casas não estão preparadas para ter um cuidador formal 24 horas, sete dias por semana” e há doentes que se encontram tão fragilizados que “a deslocação para o hospital é muito violenta”. Mesmo com um cuidador formal – que é remunerado pelas funções desenvolvidas – presente, o familiar tem a tendência para “estar sempre alerta e querer ajudar”.

O cerne da questão? Há cuidadores cuja habitação não apresenta condições para alojar mais uma pessoa e outros não têm meios financeiros para se ausentar e realizar atividades de lazer. No texto legislativo final são mencionadas três opções para que quem cuida possa obter alguma tranquilidade: a referenciação da pessoa cuidada, no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), para unidade de internamento; o encaminhamento da pessoa cuidada para serviços e estabelecimentos de apoio social; e os serviços de apoio domiciliário adequados à situação da pessoa cuidada.

Para Maria dos Anjos Catapirra, de 63 anos, membro da comissão administrativa da Associação Nacional de Cuidadores Informais, “uma das grandes vitórias” é a criação do Estatuto do Cuidador Estudante. Destinado aos cuidadores mais jovens que tratam de familiares e não têm emprego, o objetivo desta medida é que possam continuar o percurso escolar como se tivessem um contrato de trabalho para efeitos de exames e faltas. Em termos do Código de Trabalho, Catapirra acredita que “falta fazer tudo” porque, “para além da carreira contributiva, há uma série de atenuantes que têm de ser contempladas pela Segurança Social, como as ausências, a justificação de faltas ou a permanência em casa”.

Neves realça que “a retroatividade não é considerada em termos contributivos e devia, porque é muito fácil perceber há quanto tempo alguém é cuidador” através de variados registos, como os hospitalares, e beneficiá-lo, para mais tarde ter uma reforma. E será que a sociedade portuguesa compreende a essência do ato de cuidar? “Não, ainda não”, principalmente nos casos em que “os mais novos não têm um adulto com quem possam contar” ou “em que o cuidador informal está sozinho”, como adiantou Catapirra, acrescentando também que “quando não somos cuidadores, temos de pensar que um dia precisaremos de ser cuidados”. A atribuição do subsídio de apoio foi outro dos pontos mais aclamados; no entanto, as duas cuidadoras salientam que “ainda serão colocados em prática projetos piloto” para que as medidas sejam aplicadas depois de 12 meses da execução dos mesmos.