O oitenta. E o oito


Não foi nada triste vê-lo voar. Talvez seja hora de eu aprender.


Olhando ao fim de semana alemão, poderemos ter vontade de recordar aquelas idas à feira em que experimentávamos as sensações únicas de um carrossel.

Ou, porque se trata de gente graúda, de uma montanha-russa.

Olhando a Sachsenring, ficaremos a recordá-la como a terra dos altos e baixos, com direito a voos picados, planados, caídos e levantados, de um falcão que nos mostrou os caminhos do sim, do não e do talvez.

Sim, passa por ele, e muito, o desenvolvimento de uma Tech 3 recém-chegada à KTM, rearrumando terabytes de informação após uma ligação histórica à Yamaha, e sim, vai Miguel Oliveira mostrando à KTM fábrica-mãe que sabe o caminho mais curto para ajudar no sucesso.

Não, não será fácil gerir um ano de aprendizagem, simultaneamente batendo largo e bastas vezes o seu companheiro de equipa, chegando-se em cima e ultrapassando tempos de um campeão contratado como tal, Zarco, e diminuindo a sombra que o separa de Pol, o dono do pedaço.

Sim, as corridas são isto, fazer três sessões de treinos livres com tempos fantásticos e, na hora de a onça beber água, quebrar um galho e espantar a caça, levando ao colo quem não espreitava o espetáculo, leia-se Hafizh e Johann, para depois fazer uma sessão de aquecimento em top-10, mostrando que não o abate quem quer.

Não, não adianta esmorecer e matutar nos percalços, a corrida é já ali e um arranque voador acordará quem ainda se perder em carpir mágoas.

E, depois, a rara queda.

Para muitos, o fim; para ele, o início.

Cai, levanta, acelera, voa.

Miguel sendo campeão, numa poética corrida a sós, sendo só seu o palco quando passava junto a um público que cada vez mais o aprende, o conhece e admira.

Poderíamos olhar a tabela dos tempos, volta por volta, e perceber o quão rápido e regular esteve, poderíamos recordar uma corrida ao nível das melhores que terá feito, galgando segundo a segundo uma diferença impossível que terminou em cima de um Bagnaia que dispensa apresentações. Poderíamos ainda, e quem sabe na atitude mais acertada, escutar a História e entender como ela forja campeões.

Deitando-os ao chão.

Para que se levantem, a olhem nos olhos e façam o favor de nela entrarem.

Talvez a terceira lição de Oliveira neste fim de semana germânico: talvez seja tempo de saltarmos do lugar e seguir sem medo, refreando a infantil tentação de encontrar respostas para um mundo de questões que ele, campeão, aborda em cada teste, cada treino ou corrida, com a experiência e a memória de quem aos quatro anos olhou o pai e lhe traçou o desafio.

Por motivos profissionais, assisti a esta corrida lá longe, num fuso horário que acordou o galo cinco horas antes que na minha terra portuguesa.

A meio da noite esfreguei os olhos e comecei o dia com a MotoE, depois Moto3 e Moto2. Chegada a hora de se apagarem as luzes vermelhas na MotoGP, entrei em modo MO88 e fui com ele. Vi-o rapidamente galgar três lugares, depois mais um, vi ali o Falcão na posição 16.a e invadiu-me aquela sensação boa de estar perante uma prova que me traria apenas notícias boas a cada volta que passasse. Durou menos que nada, Miguel surgiria logo logo em 20.o, o tempo indicava-o à distância de uma eternidade que são 30 segundos num circuito.

Caiu-me tudo ao chão.

O ânimo, a vontade e a força de acreditar.

Pois não caiu ao Falcão, obrigou-me a ficar e a segui-lo.

Foi isso que fiz.

Não foi nada triste vê-lo voar.

Talvez seja hora de eu aprender.

Acabada a corrida, saí à rua e fui passear, cruzei-me com dezenas de pessoas que nesta cidade de Nova Iorque transformam a geometria das ruas e avenidas em algo mágico.

Olhava-as, condoído, por não poderem ter visto, como eu, mais uma enorme corrida do nosso Miguel Oliveira.