O Tribunal Constitucional terá de decidir nas próximas semanas se aceita ou não um recurso do Ministério Público que pretende retomar a extradição do arguido da Lava Jato Raul Schmidt, que se refugiou em Portugal por ter nacionalidade portuguesa. A extradição do suspeito foi travada por um coletivo do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) no âmbito de um habeas corpus, cuja abrangência não permitiria – como fez – anular uma decisão já transitada em julgado.
Raul Schmidt é suspeito no Brasil de ter sido intermediário de luvas que foram pagas a ex-diretores da Petrobras. O luso-brasileiro está por isso acusado dos crimes de corrupção, branqueamento de capitais e associação criminosa. Ao semanário SOL, um dos procuradores responsáveis pela Lava Jato garantiu que além de os factos serem graves, “a prova é farta”.
Orlando Martello adiantou ainda àquele jornal que Schmidt, como intermediário, “tinha contacto tanto com os executivos da Petrobras, como com os políticos brasileiros”.
O Constitucional terá assim de deixar claro que houve ou não inconstitucionalidades na decisão do juiz da 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, Manuel Joaquim Braz.
O habeas corpus que anulou a extradição já transitada Em maio do ano passado, pouco depois de outros seus colegas conselheiros do STJ terem decidido, a 12 de abril de 2018, que Raul Schmidt deveria ser entregue às autoridades brasileiras, o coletivo de que Manuel Joaquim Braz era relator deferiu favoravelmente o tal habeas corpus pedido pela defesa de Schmidt, que assim pôde continuar a viver livremente em Portugal.
Na prática, esse habeas corpus deitou por terra todo o processo de extradição com o fundamento de que o Brasil não veio buscar o arguido dentro do prazo legal de 45 dias. Do outro lado do Atlântico é justificado que o Brasil não veio buscá-lo porque o arguido nunca esteve em situação de poder ser levado, uma vez que ia apresentando recursos atrás de recursos que impediam a sua extradição – além das interferências políticas que foram surgindo.
Todo o processo gerou mesmo muito mal-estar do outro lado do Atlântico, com os investigadores da Lava Jato a não entenderem o desfecho do caso em Portugal.
O caso está, aliás, repleto de situações insólitas. Além da decisão de habeas corpus que reverteu uma decisão da mesma instância transitada em julgado, houve ainda interferências do Ministério da Justiça junto da antiga direção nacional da Polícia Judiciária que travaram decisões judiciais.
A 2 de maio de 2018, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem respondeu a um pedido da defesa de Raul Schmidt dando conta que o Brasil tinha cadeias com condições, o que fazia com que o processo de extradição deixasse de estar suspenso.
Logo no próprio dia, já depois de a PJ ter recebido os mandados de desligamento (formalismo que antecede a entrega de um suspeito a outro estado), surgiu uma interferência do poder político. Segundo viria mais tarde a escrever o desembargador Augusto Lourenço, numa decisão, houve uma ordem do chefe de gabinete da ministra da Justiça dada à PJ que suspendeu o processo, com o argumento de que tinha entrado uma providência cautelar administrativa – Schmidt queria reverter a decisão de aceitação da extradição da ministra Francisca Van Dunem por ter conseguido tornar-se cidadão nacional.
Augusto Lourenço considerou mesmo que em causa estava um caso de interferência política na Justiça, que deveria ser investigado: ocaso merece a atenção da PGR, disse, lembrando que Portugal é “um Estado de direito, com independência de poderes”.
No decurso deste processo de extradição, Raul Schmidt conseguiu em tempo recorde ver reconhecida, ao abrigo da nova lei da nacionalidade, a sua nacionalidade portuguesa equivalente à de um cidadão que tenha nascido em território nacional – argumento usado pela defesa para afirmar que a extradição é impossível.
Caberá agora ao Constitucional, se aceitar o recurso do MP, analisar se é ou não possível um habeas corpus reverter uma decisão do Supremo já transitada em julgado.