Há quem diga que o futebol se tornou um lugar tão sujo que só porcos podem sobreviver nele. Exagero, naturalmente. Também tivemos um árbitro, Vítor Correia, que dizia que no futebol nada o espantava depois de ter visto um porco a andar de bicicleta. Enfim, por mais analogias que se possam fazer, porcos e futebol não ligam por aí além, ainda que muita gente goste de assar um reco nas tardes do Estádio Nacional que precedem a final da Taça de Portugal. Também tivemos, em tempos que lá vão, nos circos meio pindéricos que percorriam as terriolas do país, uns desafios entre cães ou porcos vestidos com camisolas do Benfica e do Sporting a tentarem enfiar um balão na baliza adversária, mas parece que foi chão que já deu uvas. Seja como for, eu queria era falar de um tal Bernard Hoggarth, distinto cidadão da respeitável Inglaterra que, em 1990, decidiu levar a cabo um campeonato entre quintas, do Gloucestershire à Cornualha, oficial e com regulamentos levados a sério, sendo as quintas representadas pelas suas suínas seleções abertas a todas as raças porcinas, desde os Landrice e os Large White, muito rosadinhos, benza-os Deus, aos mais escuros e de bem maior envergadura Mangalitsa e Maishan, aos porcos pretos ibéricos, especialistas em presuntos, e aos Tamworth, que têm aquelas orelhas enormes a pedir uma saladinha com cebola e salsa.
Bernard era não apenas um tipo que tinha um gosto especial por porcos como um rapaz de feitio empreendedor e dono de ideias que, por mais estrafalárias que se revelassem, costumavam ir até ao fim. E tomem atenção: se Hoggarth era um moço inteligente, os porcos não são animais tão burros quanto parecem quando os vemos a chafurdar no esterco ou a foçar na lama em busca de fungos. Não desprezem facilmente um porco. Nunca se sabe o que ele pode vir a fazer.
Mundial
Em 1990, a fase final do campeonato do Mundo, em Itália, foi para os ingleses muito entusiasmante e muito zoológica. Apareceram nas meias-finais pela segunda vez na sua história e à custa da eliminação dos Camarões nos quartos-de-final.
Foi precisamente nessa altura que Bernard quis desenvolver a sua ideia peregrina. Depois de ter visitado a Festa Agrícola de Paris, trouxe de lá umas bolas com o nome de Domino Stress Balls com as quais pôs os seus porcos a praticar o nobre jogo bretão na quinta de Cranswick Mill, próximo de Driffield, Yorkshire. Segundo Hoggarth, os jogos de futebol acalmavam os animais de forma considerável, tornando-os menos agressivos, mais disponíveis para a alimentação que lhes era administrada e, com isso, mais facilmente sujeitos a atingir o peso desejado pelos seus criadores.
Num instante, por todo o Reino Unido, as Domino Stress Balls passaram a ser comercializadas como pãezinhos quentes e, com essa popularidade. veio de arrasto a ideia do campeonato nacional de porcos.
Nestas coisas de ideias súbitas e meio espinafradas há sempre quem atinja os limites do exagero. Um grupo de agricultores exigiu uma verdadeira English Premier Cut League, ou seja, uma espécie de Liga Inglesa dos Talhantes, e não tardou a vir a lume o nome de equipas preparadas para a sua disputa: Trotterham Hotspur, Queen’s Pork Rangers, Roast Ham United…
A ironia entrou em campo com a mesma facilidade com que aquela cabeça de leitão assado (pela foto, garanto que não era do Vidal da Aguada de Cima, em Águeda) invadiu o relvado enquanto o Figo se preparava para apontar um canto no seu primeiro jogo em Camp Nou com a camisola do Real Madrid, após a tão polémica transferência.
Hoggarth era um teórico da suinocultura. Defendia que, por causa da sua alta capacidade intelectual, os porcos têm tendência a aborrecer-se na sua vida/vidinha de simples cerdos e, com a irritabilidade, surge-lhes uma tendência muito frequente de tentarem morder-se uns aos outros nos rabos e nas orelhas. Com a Domino, criou-lhes hábitos competitivos. “É perfeitamente possível ensiná-los a driblar, a fazer passes e a marcar golos”, afirmou. “Inicialmente, experimentei com 15 animais e notei que a sua tendência é a de quererem a bola só para si. É preciso inculcar-lhes noções de jogo de grupo. Não tenho a mínima dúvida de que rapidamente teremos grupos de porcos absolutamente capazes de percecionar de que equipa fazem parte, passando a bola só com os colegas e evitando que os adversários lha roubem”.
Continuava Bernard: “Não se esqueçam que a Domino Stress Ball é indestrutível e, dessa forma, não há forma de os porcos a rebentarem à custa de dentadas. Já as experimentámos até com jogos entre cavalos e foram uma sensação. Sentimos que, se as pessoas quiserem verdadeiramente participar nisto, terão de fazer um esforço suplementar e fazê-los crescer dentro de um meio ambiente carinhoso, como é o caso dos meus chanchos. Aliás, tenho na equipa um verdadeiro craque. Defesa central, de elevada qualidade de passe. Chamei-lhe Franz Baconbauer em homenagem ao campeão alemão”.
Ninguém terá ficado com dúvidas da alegria que tal gesto provocou na família dos Beckenbauers e dos Baconbaeurs, talvez um pouco mais nesta última, se é que me faço entender. Quanto ao campeonato sonhado por Hoggarth, nunca se transformou numa realidade com pés para andar. Ou o abandonaram à beira da estrada, ou à beira do prato.
Já Bernard Hoggarth pouco se importou. Rapidamente deixou de traficar cevados e varrascos para se dedicar ao negócio da bola mágica e indestrutível. E que acabou por transformar-se em arma de arremesso para os muitos protestos levantados pela Sociedade Protetora dos Animais.